Arte na Casacor mostra como pinturas e esculturas vão além da decoração

Arquitetos discutem uso de obras em seus ambientes enquanto evento busca aproximação de artistas e galerias

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São Paulo

Em uma ampla sala branca, algumas cadeiras pretas estão penduradas no teto, enquanto outras parecem afundar no chão. Nas paredes, marcas de pneus fazem parecer que um carro acabou de contornar a sala em alta velocidade, desafiando os princípios gravitacionais.

Ambiente assinado por Guilherme Torres para abrigar as obras de Regina Silveira
Ambiente assinado por Guilherme Torres para abrigar as obras de Regina Silveira - Divulgação

O som dos motores parece acompanhar a disposição das obras de Regina Silveira no ambiente assinado por Guilherme Torres e um tanto quanto inédito para uma Casacor. "Existe uma certa previsibilidade do que se encontra em uma Casacor. Eu queria causar uma ruptura, um estranhamento", afirma o arquiteto. Sua projeção de espaço, segundo ele, serve apenas como contêiner para as obras da artista.

Os ambientes da Casacor neste ano contam com diversas obras de arte, como é comum para o evento que divulga as tendências anuais da arquitetura, design e paisagismo. Este ano, porém, tenta um apaziguamento entre os artistas e decoradores.

"O uso das obras nos espaços não era linear. Queremos provocar os arquitetos a pensar a arte como parte integrante de seus espaços", diz André Secchin, diretor da Casacor.

O questionamento do porquê da escolha de certas obras levou os arquitetos a escaparem da ideia de que a arte precisa ornar com a decoração, ou servir à estética de um ambiente pensado sem a sua presença prévia.

Movimento que, segundo Secchin, ajuda a melhorar a relação entre as galerias de arte e os paisagistas. "Existe uma diferença muito grande entre obra de arte e obra decorativa", argumenta Guilherme Torres.

"A arte confronta e é mais forte que o utilitário. Ela transforma o olhar para buscar essência nas coisas. Na minha opinião, uma casa nunca deve confortar, mas confrontar", diz. Para o arquiteto, existe hoje uma massificação de decorações que agradam a todos, fruto do algoritmo das redes sociais – como os beges.

No caso da "Casa que Abraça", de Adriana Valle e Patricia Carvalho, o ambiente foi pensado apenas depois da escolha de uma obra de arte. É "Lagoa", em tons de azul e verde, um bordado enorme com fios tingidos à mão da artista Mucki Skowronski. "Eu acho que arte não tem que decorar com sofá e cadeira", diz a artista.

Já Filipe Troncon, que assina a Suíte Arquitetos, um amplo espaço pensado em tons terrosos onde móveis e revestimento mostram marcas do tempo, diz que a composição das obras de arte deve harmonizar com a decoração e a arquitetura do ambiente.

"A decoração tem um papel de conforto e acolhimento e, apesar da arte ter um papel estético, ela permite mais estranheza", diz. No caso de seu ambiente, a obra composta por tijolos de Hector Zamora reforça a ideia de seu espaço, que reflete sobre a matéria-prima necessária na formação arquitetônica.

Para ele, é imprescindível que as obras tenham alguma ligação emocional, racional ou subjetiva com o morador, ideia compartilhada por Felipe de Almeida, que assina um ambiente totalmente criado a partir da memória familiar.

O arquiteto dedicou uma parede inteira para acomodar 27 pinturas feitas pela própria mãe, que ilustram contos escritos pela avó, em busca de resgatar uma memória afetiva através da arte.

O resto do espaço tem objetos de antiquário e paredes abarrotadas de pinturas de artistas modernistas e contemporâneos, como Aldemir Martins e Alex Flemming. "A obra de arte é muito pessoal, diz muito sobre quem habita o local. É uma das coisas mais importantes na hora de compor um ambiente", argumenta. "É possível ligar a obra a um conceito. Mas ela possibilita, através de sua subjetividade, expressar o que não é possível pela arquitetura".

Algo similar ocorre em "Arte Brasileira", de Juliana Cascaes, que optou por obras dos modernistas Abraham Palatnik, Oscar Niemeyer e Amilcar de Castro. "Escolhi para impactar quem entrasse na casa", diz a arquiteta sobre a escultura de Castro, que posicionada em frente a entrada.

A arte serve, também, para contar uma história. É o que acontece no ambiente de Marcelo Salum, "Morada do Samba", que fala sobre o ritmo musical, sua ligação com a cultura africana e sua importância para a formação da identidade brasileira.

O arquiteto trabalhou junto com os artistas responsáveis pelas obras em seu ambiente, entre pinturas, esculturas – como um oratório dedicado a São Jorge – e mobiliários inspirados em grafismos presentes na arte africana.

Daniel Jorge, artista plástico que fez duas esculturas para "Morada do Samba", também é autor de uma instalação com cinco metros de altura chamada "Esquema espiralar da memória", colocada no circuito da Casacor. A obra, composta de materiais de descarte reutilizados como pedra e ferro, reflete sobre a vida como um processo espiralar – e não linear, com começo e fim –, ideia originária de povos ao leste da África.

"A obra resgata a memória do corpo negro como um corpo que produz e que moldou parte do Brasil. É uma instalação subjetiva em um evento em que a subjetividade está em segundo plano", diz.

Algo similar acontece com o painel "Caminhos do Sertão", da arquiteta Gleuse Ferreira, bisneta de Lampião e Maria Bonita. Uma parede inteira recebeu a pintura que conta a história de sua família – que inclui figuras históricas marcantes para o imaginário brasileiro.

Lâmpadas foram adicionadas em seguida, junto a alguns bancos. "Dependendo dos elementos, às vezes o design e a arte se misturam", diz.

Esse ano, a Casacor conta, pela primeira vez, com uma galeria dedicada a fazer refletir sobre a influência da arte brasileira na arquitetura. Foram escolhidas obras dos artistas Iberê Camargo, Glauco Rodrigues, Rubem Valentim, Tomie Ohtake e Amilcar de Castro.

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