Exposição no Museu d'Orsay explora semelhanças entre obras de Manet e Degas

Mostra 'Manet/Degas', que viaja para Nova York neste ano, evita tecer relações forçadas entre os dois artistas, que foram amigos

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Felipe Martinez
Paris

Está em cartaz no Museu d’Orsay, em Paris, a exposição "Manet/Degas", que compara as obras de Édouard Manet e Edgard Degas, explorando os pontos de contato e de distância entre os artistas. Ambos são pintores da vida moderna, no sentido proposto pelo poeta Charles Baudelaire, mas recorrem aos mestres do passado para criar representações das cenas da capital francesa no século 19.

Uma história conta que eles teriam se conhecido no Museu do Louvre, enquanto copiavam a obra "Infanta Margarida Teresa", do espanhol Diego Velázquez. Também estão presentes na exposição cópias que fizeram de mestres como Mantegna e Ticiano.

Pintura 'Olympia', de 1863, de Édouard Manet, no Museu d'Orsay, em Paris - Benoit Tessier/Reuters

A mostra, organizada por Laurence des Cars, Stéphane Guégan e Isolde Pludermacher, da equipe do D’Orsay, deixa o museu francês no final de julho e reabre em setembro no Metropolitan, em Nova York, onde fica até janeiro do ano que vem.

Manet e Degas vinham de famílias abastadas, tinham quase a mesma idade e frequentavam os mesmos círculos de intelectuais e artistas. Embora fossem próximos, restam poucas cartas trocadas entre eles.

Os dois, aliás, contrariaram os planos de suas famílias. Degas chegou a estudar direito, mas não seguiu carreira; o pai de Manet também desejava que o filho seguisse o caminho das leis. Ele, no entanto, decidiu tentar carreira na marinha mercante, mas reprovou duas vezes no exame de ingresso. Como parte de sua preparação, viajou ao Rio de Janeiro, onde passou alguns meses entre o final de 1848 e começo de 1849 e fez observações agudas sobre o funcionamento da sociedade carioca.

Obras como "Olympia" evidenciam a construção rigorosa das obras de Manet. Nela, a modelo nos encara de frente, o espectador tem visão privilegiada da cena, confrontado pelo olhar da jovem com corpo uniformemente iluminado.

Em Degas, por outro lado, o espectador fica um tanto deslocado, em cenas nas quais não passa de mero observador posicionado em pontos de vista estratégicos. Degas busca um movimento fluido, incompatível com o rigor compositivo de Manet.

Além disso, os personagens de Degas têm uma introspecção psicológica que não está presente nas obras do colega.

Por exemplo, estão expostos, lado a lado, os retratos que ambos fizeram de Suzanne Manet, mulher do artista, ao piano. Na versão pintada pelo marido, Suzanne aparece compenetrada enquanto toca o instrumento; seu rosto é definido por uma massa de cor quase uniforme, delimitado por poucos contornos. Na versão de Degas, vemos o próprio Manet esparramado no sofá, sem foco, imerso em seus pensamentos, enquanto sua mulher está ao piano.

Mas Suzanne não aparece inteiramente no quadro. Manet rasgou a parte da tela na qual sua companheira estava representada, descontente com a representação feita por Degas. O incidente motivou uma das maiores brigas que houve entre os dois.

Dividida em 17 eixos temáticos, a mostra explora o tratamento dado pelos pintores aos variados temas da vida moderna que se consolida em Paris em meados do século 19. Num desses eixos, são exploradas as corridas de cavalo que se tornaram populares entre as classes altas francesas do período e aparecem com frequência na obra de ambos.

A pintura "Amazona - Retrato de Marie Lefébure", de autoria de Manet e pertencente ao acervo do Masp, em São Paulo, teria ficado muito bem nessa parte da exposição. Por outro lado, a obra "O Artista – Retrato de Marcellin Desboutin", também de Manet e do mesmo museu paulistano, é um dos destaques de outro eixo da exposição, acompanhado por retratos de personalidades célebres da belle époque francesa, como Émile Zola e Stéphane Mallarmé.

Embora os artistas já tenham sido bastante estudados, a exposição prova que comparar dois pintores tão importantes na passagem da arte da tradição ocidental para a arte moderna pode render excelentes frutos, sem que seja preciso recorrer a excentricidades curatoriais ou enquadrar os artistas nos últimos temas da moda. Ao contrário, os eixos temáticos são simples e os textos de parede enxutos.

O catálogo, por sua vez, traz ensaios de profundidade teórica que acrescentam ao conhecimento sobre o período. Mais importante —apesar das salas lotadas e quentes do Museu d’Orsay, a exposição deixa que os quadros de Degas e Manet conversem entre si, sem forçar o olhar do visitante para relações não propostas pelas próprias obras.

Manet/Degas

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