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'Cadê o Amarildo?' faz boa reconstituição, mas evita conexões políticas

Série documental da Globoplay não explora a experiência das UPPs e falha em compreender o caso à luz de junho de 2013

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Mauricio Stycer

Filmes e séries de caráter documental sobre crimes de grande repercussão são uma oportunidade de ampliar a visão que guardamos dos casos. Nesta atual onda de "true crime" nas plataformas de streaming e na televisão, nem sempre esta chance está sendo bem aproveitada.

Não é o caso de "Cadê o Amarildo?", que o Globoplay lança nesta sexta-feira, dia em que se completam dez anos do desaparecimento do auxiliar de pedreiro após ser detido por policiais militares na favela da Rocinha.

Cena do documentário 'Cadê o Amarildo?'
Cena do documentário 'Cadê o Amarildo?' - Divulgação

O documentário faz uma reconstituição milimétrica, até extenuante, dos fatos ocorridos no dia 14 de julho de 2013. Naquele domingo a favela foi alvo de uma ação policial intitulada Paz Armada. Amarildo de Souza havia passado o dia pescando. Foi detido por policiais no início da noite e levado à sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

Das 80 câmeras que estavam instaladas na Rocinha, apenas duas, as que mostravam imagens da UPP, não funcionaram naquela noite. Amarildo, que só sabia escrever o seu nome, entrou andando no local e nunca mais foi visto desde então.

O documentário descreve como policiais inventaram falsas provas e forjaram testemunhos no esforço de provar que Amarildo foi vítima de traficantes de drogas da favela. Em passagens de impacto, o repórter investigativo Mahomed Saigg traz novas informações e depoimentos sobre o caso.

Em 2016, 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento e morte de Amarildo foram condenados em primeira instância. Oito condenações foram mantidas em segunda instância. Não há mais ninguém preso hoje relacionado ao caso.

Além do crime em si, "Cadê o Amarildo?" explora alguns outros aspectos relacionados aos acontecimentos. Mas com menos ênfase, creio, do que poderia.

O primeiro é o da experiência das UPPs, instaladas durante o governo Sergio Cabral, a partir de 2008. A da Rocinha foi a 28ª de um total de quase 40 unidades. O documentário deixa claro que há muitas dúvidas sobre a eficiência desta iniciativa, mas apenas sobrevoa o assunto.

Há, ainda, uma dimensão política no caso, que "Cadê o Amarildo?" evita aprofundar. Os protestos contra o desaparecimento do pedreiro ocorreram na esteira das violentas manifestações de junho de 2013, que se espalharam por todo o país. No Rio, protestos contra Cabral fecharam ruas no Leblon vários dias.

Por fim, há uma terceira camada, de cunho social e midiático, que o documentário aborda ao longo de alguns minutos. O ex-delegado Orlando Zaccone apresenta a questão quando diz: "Nunca no Brasil nós tivemos uma repercussão tão grande por conta do desaparecimento de um negro dentro de uma comunidade".

Por que houve essa repercussão? Guilherme Pimentel, advogado defensor dos direitos humanos, pergunta e ele mesmo responde: "Por que esse caso foi elucidado e ganhou o mundo com esse grito de 'cadê Amarildo'? É muito nítido que foi porque a Rocinha fechou a boca do túnel, amparando a família do Amarildo, que tinha decidido não deixar o caso para trás".

Pimentel se refere a uma manifestação ocorrida no dia 17, três dias após o desaparecimento de Amarildo. Cerca de mil moradores da favela desceram até as entradas do túnel que corta a estrada Lagoa-Barra e interromperam o fluxo de veículos nos dois sentidos por cerca de duas horas.

No dia seguinte, o jornal O Globo noticiou: "Protesto na Rocinha dá nó no trânsito da Zonal Sul à Barra". O caso ainda não tinha ganho as manchetes, mas os efeitos sobre os moradores da área mais nobre da cidade foram sentidos. A partir deste protesto, a imprensa começa a se ocupar do desaparecimento de Amarildo e ele se torna um símbolo da luta contra a violência policial.

"Cadê o Amarildo?" tem direção de Rafael Norton, direção de produção de Clarissa Cavalcanti, roteiro de Andrey Frasson e João Rocha, direção de fotografia de Daniel Torres e Eulym Ferreira.

Cadê o Amarildo?

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