Descrição de chapéu
Televisão

'Massacre na Escola' levanta problema ético do 'true crime'

Série da HBO Max sobre o Realengo não revela a identidade do autor do crime, mas se rende à apelação do gênero

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mauricio Stycer

O mais recente exemplar do gênero de "true crime" disponível em plataformas de streaming se propõe a narrar uma história terrível sem citar o nome nem mostrar o rosto do autor do crime.

As criadoras de "Massacre na Escola - A Tragédia das Meninas de Realengo" justificam a decisão com um aviso na abertura: "Este é um compromisso ético e moral assumido com a sociedade, para que novos ataques não sejam estimulados".

Massacre na Escola - A Tragédia das Meninas De Realengo
Arte de divulgação de 'Massacre na Escola - A Tragédia das Meninas De Realengo', da HBO Max - Divulgação

É uma decisão baseada na ideia de que assassinos em série, como o autor da morte de 12 alunos de uma escola estadual no Rio, em 2011, cometem crimes deste tipo com o objetivo de servir como exemplo para outros e posar como mártires.

Esta opção levanta uma questão sobre a própria natureza do gênero "true crime": é suficiente não mostrar o rosto e não citar o nome do criminoso? Séries como essa não poderiam servir de estímulo a outras ações violentas mesmo restringindo a imagem do autor do massacre?

Mesmo tendo esse cuidado, cabe dizer ainda que "Massacre Na Escola" não evita mostrar, em mais de uma ocasião, reproduções de imagens do corpo do assassino serial estendido numa escada da escola.

Também é curioso observar que a mesma HBO que abraçou este cuidado ético em "Massacre na Escola" não viu problemas em oferecer uma remuneração de R$ 480 mil à protagonista da série "Flordelis, em Nome da Mãe", lançada em 2022. Condenada pela morte do marido, ela garantiu imagens exclusivas à série documental sobre a sua trajetória.

A remuneração foi justificada de duas formas. Inicialmente, Flordelis iria ganhar uma "taxa de pesquisa" pelo levantamento de materiais a serem usados na série, como fotos e vídeos. Posteriormente, seria paga por uma "taxa de licença", autorizando a produtora a fazer uso destes materiais na série.

Remunerar um criminoso condenado também envolve um problema ético grave. Desta forma, ele não estaria lucrando com o seu crime? A HBO não respondeu aos questionamentos na época do lançamento de "Flordelis".

Criada e escrita por Lúcia Tupiassú e Daniela Kopsch, "Massacre na Escola - A Tragédia das Meninas de Realengo" busca já no título oferecer algo a mais do que uma reconstituição da tragédia.

A série procura demonstrar que a morte de dez meninas e dois meninos foi, na prática, um feminicídio. Diferentes depoimentos discutem esta tese, ainda que de forma inconclusiva.

A HBO exibiu previamente a jornalistas os dois primeiros episódios, de um total de quatro. Eles deixam evidente o esforço das criadoras de avançarem em algumas discussões para além do massacre, em si. Os dois últimos episódios vão entrar na plataforma no próximo domingo.

Além da questão da violência de gênero, Tupiassú e Kopsch também buscam ouvir especialistas sobre uma outra possível motivação para o crime, o bullying sofrido pelo assassino na infância —ele estudou na mesma escola onde promoveu o massacre. A série também vai discutir a facilidade de compra de armas e a suposta influência que videogames violentos podem ter sobre os jovens.

De uma maneira geral, porém, "Massacre na Escola" não consegue fugir de um tipo de apelação que se tornou convencional neste gênero: a tentativa explícita de emocionar o espectador com depoimentos de pais, amigos e sobreviventes do crime.

Entram nesta conta o testemunho da mãe que teve um pressentimento na hora em que acordou a filha no dia fatal e o da jovem que teve um pesadelo naquele dia.

Dois personagens se destacam nestes primeiros episódios. Um é o policial militar que entrou na escola durante o massacre e atingiu o assassino, que se matou na sequência. Verdadeiro herói, hoje aposentado, Márcio Alexandre Alves revista o local a convite da produção da série e dá um belo depoimento sobre o seu papel na história.

Outra figura que foge ao esperado é o ex-diretor da escola, Luís Marduk. Na época do massacre, ele defendeu a ideia de que a escola não podia ser fechada para sempre, como muitos queriam, e ajudou a recolocá-la em atividade, menos de duas semanas depois dos crimes.

Na época, eu era repórter no UOL e testemunhei a reabertura da Tasso da Silveira e a impaciência de Marduk com o circo de mídia armado ao redor do portão. Aliás, este é um tema que o documentário não aborda em seus dois primeiros episódios.

Massacre na Escola - A Tragédia das Meninas De Realengo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.