Como foi a última noite de Zé Celso, dedicada à peça inacabada 'A Queda do Céu'

Diretor estava preocupado com o marco temporal das terras indígenas e adaptava livro antes do incêndio em apartamento

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São Paulo

A última noite do diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, morto nesta quinta-feira (6), foi dedicada ao texto de "A Queda do Céu", adaptação para o teatro do livro de mesmo nome de Bruce Albert e Davi Kopenawa, relatou o ator Pascoal da Conceição.

De acordo com Conceição, que participou de diversas obras do Teatro Oficina, Zé Celso tinha como grande preocupação atual a questão do marco temporal e a demarcação de terras indígenas.

Zé Celso, criador do Teatro Oficina, em ensaio para a revista Serafina, da Folha, em outubro de 2016
Zé Celso, criador do Teatro Oficina, em ensaio para a revista Serafina, da Folha, em outubro de 2016 - Daniel Klajmic

Ele ainda estaria sondando, com os demais integrantes do Oficina, um lugar diferente para conduzir os ensaios da peça, que ele planejava encenar no parque do Rio Bixiga —seu projeto dos sonhos, no terreno que vive um imbróglio.

O local entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro é centro de uma disputa, envolvendo o Teatro Oficina, seu diretor Zé Celso, movimentos populares e o Grupo Silvio Santos, que pretendia construir ali três torres de até cem metros de altura.

"Não tenho a menor ideia de como vai ser", disse Zé Celso à Folha em junho. "É uma coisa absolutamente nova para mim. Mas estou muito aberto. A peça é escrita por um grande intelectual xamã, que é o Kopenawa, e pelo Bruce Albert, que fez o livro. É a descoberta de outro continente. Está no Brasil, mas não é Brasil. Os yanomamis constituem uma nação."

Ele iniciou a adaptação de "A Queda do Céu" com o aval de Kopenawa, mas ainda não havia negociado os direitos com a editora Companhia das Letras. O dramaturgo Fernando de Carvalho e o ator e codiretor Roderick Himeros participaram das jornadas de escrita.

"A Queda do Céu" estava programada para estrear no segundo semestre deste ano. Em abril, o Sesc Pompeia abrigou a primeira leitura pública, conduzida pelas atrizes Lilly Baniwa, Alanis Guillen e Zahy Tentehar, esta última elogiada pelo diretor como "uma nova Cacilda". "É o projeto mais importante de minha existência", ele repetia em seu aniversário, em março, no Oficina.

Naquela noite, o dramaturgo jantou com Ricardo Bittencourt, ator da companhia que também morava no apartamento. Como as peças de Zé Celso estão digitalizadas, eles confabularam uma ideia para relançar a obra completa.

Zé Celso, que degustava um sorvete de cupuaçu, sua iguaria predileta dos últimos meses, lembrou que Daniela Mercury havia sugerido procurar o imortal Gilberto Gil para relançar a obra pelo selo da Academia Brasileira de Letras. Zé Celso escreveria na manhã seguinte para o cantor e compositor.

Seu apartamento, porém, foi consumido por um incêndio na madrugada de terça-feira (4). Consta no boletim de ocorrência da Polícia Civil, obtido pela Folha, que o incêndio teria começado no quarto do diretor, provavelmente causado por problemas em um aquecedor elétrico.

A partir daí, o fogo teria se alastrado para peças de roupa. Uma situação parecida aconteceu no imóvel há cerca de três anos, mas na ocasião o fogo foi rapidamente controlado.

O dramaturgo teve queimaduras em 53% de seu corpo e estava internado na unidade de terapia intensiva do Hospital das Clínicas, mas não resistiu. Na ocasião do incêndio, Marcelo Drummond, com quem Zé Celso era casado, socorreu o diretor.

Outros dois atores, Ricardo Bittencourt e Victor Rosa, que também moravam no local, ajudaram no socorro. Os três sofreram queimaduras leves, além de inalar fumaça. Drummond e Rosa foram hospitalizados, mas deixaram o hospital na tarde desta quinta.

"Ele vai embora, mas deixa para todos nós do Oficina um trabalhão a ser erguido. Ele é um cara do presente, do aqui e agora", diz Pascoal da Conceição. "Eu aprendi com a Zé a presentificar o trabalho, a dar sentido ao meu trabalho no presente. O Dr. Abobrinha [personagem do Castelo Rá-Tim-Bum] tinha muito desse aprendizado".

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