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Em tempos de 'Barbie', boneco falante é um terror para quem tem mais de 35

Em sua versão brasileira Herbert Richers, a infância retrô brasileira entraria em cartaz como um tipo de 'Pirralho Story'

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Precisamos ser rápidos. Dispomos apenas do tempo que aqueles coelhinhos cor-de-rosa do famoso comercial se aguentam tocando tambor. Não que suas pilhas durem pouco: nós é que já não somos mais crianças. Estamos mais lentos, mais cínicos, as juntas doem. E olha que ainda nem cheguei na parte da aventura que inclui os roxos proporcionados por anos de Pogobol.

Se assim como eu você é um ex-fedelho de meia-idade, arrume emprestado um paraquedas dos Comandos em Ação. Ligue o Genius para iluminar o caminho em quatro cores diferentes e não olhe para trás. Afinal, de uma hora para outra todos os brinquedos da nossa meninice podem ganhar vida. Ou virar filme. Tá na moda, não tá? Então precisamos nos preparar. Sobretudo para o pior.

Ryan Gosling e Margot Robbie em cena do filme "Barbie", dirigido por Greta Gerwig
Ryan Gosling e Margot Robbie em cena do filme 'Barbie', dirigido por Greta Gerwig - Divulgação

Quem tem mais de 35 anos que pegue a primeira vareta. Na nossa geração, esse negócio de boneco que se mexe de noite e palhacinho que do nada pula de dentro de uma caixa era clichê de filme de terror, não fofura de animação da Pixar.

Por muito menos a menininha de "Poltergeist" foi sugada para dentro de um televisor. Já pensou? Passar a eternidade num intervalo da TV Colosso? Descobrindo que, tocadas de trás para frente, as meigas fitas cassete do ursinho Teddy Ruxpin fazem um dueto sinistro com os LPs da Xuxa.

Em sua versão brasileira Herbert Richers, a infância retrô brasileira entraria em cartaz como uma espécie de "Pirralho Story". Ao invés de "Lightyear", teríamos nosso Buzz "Glasslite". Reescalado quiçá como Lango-Lango ou Minuche, o Fofolete gigante que vinha fora da caixinha de fósforo, Woody também ganharia uma versão action figure artesanal, feita com durepóxi e bolas de gude pintadas por alguma madrinha de crisma jeitosa.

Mesmo sabendo que "a Atma é ótima", todo cuidado é pouco no caso de uma insurgência, de um levante nos baús mais empoeirados ou nas prateleiras mais altas e esquecidas onde guardamos nossos antigos folguedos.

Eles podem vir nos pegar, com a fúria de uma época ludicamente incorreta. Do contrário, como explicar a existência de um Fofão com uma faca e uma lenda urbana dentro? Ou de um cãozinho com uma melancolia tão tarja preta a ponto de se chamar Snif Snif?

Moranguinho, Limãozinho e sua turma transformavam ingênuos fedelhos em cheiradores viciados em tutti-frutti. Sem esquecer a visionária Baby Sol, que em seu corpinho de plástico bronzeável lançou a trend da marquinha feita com fita isolante.

Hoje, a boneca Quem-Me-Quer –órfã e nascida do repolho– poderia ser acusada de criacionismo. Sendo que, muito antes de Damares Alves, o Bebezinho já vestia azul e a Bebezinha vestia rosa.

No meio acadêmico, sempre dedicando-se a problemas matemáticos com jeitinho quadrado de calculadora, o Professor Corujinha teria sua bolsa do CNPq cortada, ao passo que o cofrinho Boca Rica seguiria cuspindo moedas coloridas tal como o caixa eletrônico de um assessor que saca dinheiro de rachadinhas.

Alijadas do mercado de trabalho representado pelo tabuleiro do Jogo da Vida ou do Banco Imobiliário, gerações e mais gerações de menininhas se resignaram à vida doméstica do play, brincando de mini máquina de costura ou dando mamadeira ao Manequinho, que tinha pipi e fazia xixi num peniquinho de fábrica. Muitas não desabrocharam, feito a Menina-Flor, diante da possibilidade de brincar de outras coisas, dando match do Falcon barbudo com a Susi corpão de violão. Esta, bem mais nosso tipo do que a Barbie. Perfeitamente merecedora de seu próprio blockbuster, estrelado pela Paolla Oliveira.

Tippy do agronegócio, montada em seu cavalinho. Beijoca, a boneca do preenchimento labial. Emília, com suas histórias em domínio público e Monteiro Lobato cancelado. Lá, Lé, Li, Ló, Lu Patinadora. Toda essa patotinha aí pode aparecer logo mais, para puxar o nosso pé. E ai de quem contratacar, metendo no cabelo de qualquer uma delas aquela tesourinha do slogan "eu tenhooooo, você não teeeeem!" –a primeira campanha publicitária tirada do ar por ostentação infantojuvenil.

O mais bizarro e adorável dessa história, com todos os revisionismos possíveis em jogo, é como esses pedaços de plástico, madeira, borracha, nylon e pano conseguem ser tão mais do que isso, principalmente inesquecíveis. Criança sem TikTok não tinha outra alternativa, além de ser feliz analogicamente. Inclusive...

Shhhhh, silêncio. Impressão minha ou ouvi um Pula Pirata? Acho que é chegado o momento de se pirulitar com um Pirocóptero permitido para menores. Os coelhinhos já estão com a pilha fraca, então só botando de novo no congelador que é para o Autorama voltar à pista tinindo, cinco estrelas no Uber mirim.

Bora dar no pé antes que chegue essa nova gangue transviada da diversão, formada por fidget toys, Huggy Wuggies de pelúcia, Baby Yodas e outros mimos que também vão deixar saudade, a seu tempo. Sabe-se lá do que serão capazes.

O último a sair desliga o Genius.

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