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Oppenheimer é figura camaleônica que vai de psicopata a humanista

Biografia que inspirou filme de Christopher Nolan retrata um homem de facetas quase impossíveis de conciliar

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Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano

  • Preço R$ 99,90 (640 págs.); R$ 69,90 (ebook)
  • Autoria Kai Bird e Martin Sherwin
  • Editora Intrínseca
  • Tradução George Schlesinger

Quem era o verdadeiro Julius Robert Oppenheimer? Uma caudalosa biografia do físico americano que liderou o desenvolvimento das primeiras bombas atômicas, apesar de mapear minuciosamente a trajetória pessoal e científica dele, não é capaz de dar uma resposta definitiva a essa pergunta.

homem branco de olhos azuis fala em púlpito cheio de microfones com cigarro na mão
O físico J. Robert Oppenheimer durante uma reunião em junho de 1949 - Bruce Hoertel/The New York Times

A tarefa, no entanto, talvez seja impossível, o que significa que a indeterminação é uma virtude e não um defeito do livro que acaba de chegar ao país, acompanhando o lançamento do filme "Oppenheimer", de Christopher Nolan, que se baseou nele.

O subtítulo em português da obra do jornalista Kai Bird e do historiador Martin Sherwin se refere ao biografado como um "Prometeu americano". Mas faria igual sentido compará-lo a outra figura mitológica grega: o herói Ulisses.

O primeiro paralelo é óbvio: tal como Prometeu, Oppenheimer teria trazido o "fogo dos deuses", ou o poder atômico, para a humanidade, com consequências trágicas para si próprio e seus semelhantes. Por outro lado, o Ulisses dos poemas antigos é o "homem das muitas maneiras" —ou personalidades, dependendo de como você interpreta o grego de Homero—, uma figura essencialmente camaleônica e imprecisa, o que se encaixa um bocado bem no retrato do físico nova-iorquino.

É quase impossível conciliar, por exemplo, o Oppenheimer da juventude —um nerd com pitadas de psicopatia que se alimentava quase exclusivamente de chocolate, alcachofras e manteiga de amendoim e teria oferecido uma maçã envenenada a seu orientador na Universidade de Cambridge— com o hábil coordenador do Projeto Manhattan, cujo orçamento bilionário possibilitou as primeiras explosões atômicas.

Também causa imenso estranhamento a justaposição entre a estatura de filósofo-estadista que ele adquiriu no fim da vida, uma voz solitária alertando contra a ameaça de holocausto nuclear da Guerra Fria, e os rumores de que, no aniversário da detonação da bomba, ele costumava colocar chapéu de caubói e se pavonear feito xerife.

Qual desses personagens tão diferentes seria o verdadeiro Oppenheimer? Todos eles, ou nenhum?

Segundo seu amigo, o também físico Isidor Rabi, vencedor do Nobel, "Robert nunca chegou a ser uma personalidade integrada". "Quando se é dotado de enormes capacidades em qualquer direção, é difícil escolher. Ele queria tudo. Deus sabe que não sou a pessoa mais simples do mundo, mas, em comparação a Oppenheimer, sou muito, muito simples."

As observações de Rabi estão entre as mais iluminadoras da obra, mas fazem parte de um conjunto amplo de passagens similares, que ajudam a construir a imagem de Oppenheimer com base nas reações que ele provocava em quem o conhecia.

Filho de um casal abastado da comunidade judaica de origem alemã, Robert adquiriu aura de superdotado desde que foi alfabetizado. Suas aspirações intelectuais foram forjadas nas escolas da Sociedade de Cultura Ética, associação fundada por judeus liberais americanos cujo objetivo era criar um novo tipo de sociedade humanista e secular, combinando arte e ciência.

Esse ambiente explica, em parte, a diversidade de interesses de Oppenheimer, que se sentia igualmente à vontade discutindo física quântica, psicanálise, poesia francesa ou os clássicos místicos da Índia antiga, como o "Bhagavad-Gita" —texto do qual veio a frase que ele teria recordado ao ver a primeira explosão atômica: "agora eu me tornei a morte, a destruidora de mundos".

Quase todos se impressionavam com o alcance enciclopédico de seu conhecimento, com sua facilidade para línguas —ao estudar na Europa, ele aprendeu holandês em poucas semanas e logo apresentou uma palestra no idioma— e com a intensidade de seus olhos azuis, que pareciam hipnotizar os interlocutores.

Por um lado, a capacidade de conectar diferentes áreas do conhecimento e de fascinar quem o conhecia ajudaram Oppenheimer a montar o "dream team" de cientistas do Projeto Manhattan.

A ironia é que o engajamento político do físico e seus colegas com causas igualitárias e progressistas foi um estímulo importante para a criação das primeiras armas atômicas, já que eles consideravam estar numa disputa de vida e morte contra a Alemanha nazista, cujos físicos também tinham o conhecimento teórico necessário para criar a bomba.

Oppenheimer, contudo, nunca conseguiu se concentrar suficientemente em problemas fundamentais da física a ponto de produzir resultados que lhe garantissem um Nobel, que coube a muitos dos participantes do Projeto Manhattan.

E seu humanismo à esquerda, que incluía a oposição à proliferação nuclear e a defesa de controles internacionais da energia atômica, transformou-o em alvo da onda anticomunista que ganhava força na Washington do pós-guerra.

A profusão de detalhes com a qual os autores do livro reconstroem a ligação complicada de Oppenheimer com membros do Partido Comunista americano —que nunca integrou— é o calcanhar-de-aquiles da biografia. É, no entanto, um defeito menor diante do retrato convincente de uma das mentes mais complicadas do século 20.

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