Descrição de chapéu

'Oppenheimer' é filme refém de todos os vícios de Christopher Nolan

Longa é um dos poucos exemplos em Hollywood de cinema feito para adultos, mas se perde em seu enredo fragmentado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Oppenheimer

  • Quando Estreia nesta quinta (20) nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Cillian Murphy, Robert Downey Jr. e Emily Blunt
  • Produção Estados Unidos, 2023
  • Direção Christopher Nolan

Desde que deixou Batman de lado, Christopher Nolan tem se especializado em dar passos maiores que suas pernas, caso de "Dunkirk" e "Interestelar".

"Oppenheimer" era, portanto, a grande chance de se aproximar de um assunto de atualidade, nem tão batido quanto a resistência britânica no início da Segunda Guerra, nem tão atrapalhado quanto o fim dos tempos. Sendo Julius Robert Oppenheimer "o pai da bomba atômica", traz consigo a sombra da guerra de destruição total que hoje nos ameaça e, ao mesmo tempo, de uma segunda guerra fria.

OPPENHEIMER
Cillian Murphy em cena de 'Oppenheimer', de Christopher Nolan - Divulgação

Nolan observa o jovem pesquisador em fase de crescimento, adquirindo uma reputação de físico genial; depois, como o cérebro principal do Projeto Manhattan, que levaria à criação da bomba A; por fim, como vítima da caça às bruxas protagonizada pelo senador Joseph McCarthy já no início da Guerra Fria.

A divisão faz sentido. A ideia de fragmentar essas partes, ao menos como foi realizada, bem menos. A fragmentação produz viagens para frente e para trás e do branco e preto ao colorido que não colaboram para o entendimento das coisas. Repete o problema de "Dunkirk" —um tique, uma notação autoral, nada mais. Ela funciona em alguns momentos, como o encontro entre Oppenheimer e Einstein, que aparece no início e no final, mas é tudo.

Para assistir ao filme com algum sossego convém conhecer alguns dados da história dos Estados Unidos, como o fato de que a caça às bruxas do macarthismo mirava menos os comunistas do que os adeptos da política de Franklin Roosevelt. Era entre esses que se poderia localizar Oppenheimer nos anos 1930.

O momento em que o filme melhor se sai é, em definitivo, aquele de menor ambiguidade do personagem. Oppenheimer parece convencido, durante seu trabalho em Los Alamos, de que a bomba atômica seria o fim de todas as guerras, e é nessa direção que orienta seu trabalho.

Além do mais, sendo judeu, acabar com os nazistas numa tacada só parece a ele algo moralmente aceitável. Mesmo ali, no entanto, uma sombra surge muito forte —a possibilidade de que uma explosão da bomba destrua o planeta não é descartável, embora seja remota.

O terceiro momento mistura o problema de consciência que o assola depois das detonações de Hiroshima e Nagasaki —afinal, Oppenheimer queria usar sua criação contra os rivais nazistas, não contra a população japonesa— e os ataques que começa a sofrer durante a caça às bruxas, em que, insidiosamente, posições políticas antigas e ideias sobre física se misturam.

De certa forma, é nessa parte que o filme resolve o dilema de Oppenheimer, o nosso protagonista, não ter, até o pós-Guerra, nenhum antagonista. Eis algo que o cinema de Hollywood não tolera.

É então que surgem dois antagonistas —Edward Teller, dito "o pai da bomba H". Mas no pós-Guerra é que ele aprontará algumas ursadas contra o nosso amigo Oppenheimer.

O principal oponente, porém, é o almirante Lewis Strauss, figura central da comissão de energia atômica, isto é, de certa forma o empregador de Oppenheimer. Por trás dele, podemos perceber o próprio Estado americano e seu belicismo.

"Oppenheimer" esteriliza esse aspecto delicado ao fazer de Lewis Strauss um vilão e atribuir a ele tudo o que infelicita o grande físico.

O filme é, em poucas palavras, uma história a desenrolar, levada por Christopher Nolan, que parece ter certo prazer em enrolar as coisas. Prazer? Ao obscurecer a trajetória do físico, ao deixar em segundo plano a angústia moral e mesmo o arrependimento por ter criado uma arma capaz de destruir a humanidade, o diretor obscurece a grande questão de atualidade de seu filme —a retomada da corrida armamentista entre Rússia e Estados Unidos, o aprofundamento do espírito bélico americano nos últimos anos —em suma, o perigo mesmo de destruição da humanidade como decorrência de uma guerra nuclear.

Com diálogos bem escritos e bons atores bem dirigidos e bem maquiados, "Oppenheimer" seria um posto privilegiado para observar a história dos Estados Unidos desde os anos 1930 até os 2020. Por que Christopher Nolan o esteriliza, ao mesmo tempo em que decora seu filme com periódicas e fotogênicas explosões atômicas?

Difícil dizer. Pode ter sido imposição dos distribuidores. Pode ter sido pressão do Departamento de Estado, do FBI ou de quem mais seja. Mas não é nada impossível que o gosto de Christopher Nolan por tornar obscuro o que em si já não é tão simples é que se tenha imposto aqui.

É em todo caso, um dos poucos exemplos que Hollywood e cercanias nos oferecem hoje de um cinema para mentalidades com mais de 12 anos, uma pena que se tenha transformado num mastodonte de três horas que navega pesadamente da Depressão à caça às bruxas para desembocar num filme de tribunal apenas enfadonho.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.