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Artes Cênicas

Dançarinos e orquestra se mesclam na estreia nacional de 'Estancia'

Depois de Los Angeles, espetáculo do Grupo Corpo chega ao Brasil com a Filarmônica de Minas Gerais tocando Ginastera

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Belo Horizonte

Nem pareceu que a música era tão entrecortada, que tinha tantas e variadas partes: os mais de 30 minutos de dança passaram como se tudo fosse unívoco, com os corpos em movimento deslizando sobre a partitura. A relação do Grupo Corpo com a música é profunda, nunca óbvia, jamais literal.

A coreografia de Rodrigo Pederneiras para "Estancia", partitura de 1941 do argentino Alberto Ginastera foi uma encomenda do astro da regência venezuelano Gustavo Dudamel, atual titular da Orquestra Filarmônica de Los Angeles e futuro líder da Filarmônica de Nova York, e estreou no gigantesco Hollywood Bowl no último dia 18 de julho.

Ensaio do espetáculo 'Estancia', do Grupo Corpo
Ensaio do espetáculo 'Estancia', do Grupo Corpo - José Luiz Perderneiras/Divulgação

Em curta temporada, até este domingo (6), a estreia brasileira junta pela primeira vez, na Sala Minas Gerais, em Belo Horizonte, o quase cinquentenário Grupo Corpo com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, que neste ano celebra 15 anos de excelência musical e qualidade de gestão.

Se o Corpo tem trabalhado diretamente com músicos e músicas de diferentes tendências e estilos —de Milton Nascimento a Philip Glass, de Arnaldo Antunes a Carlos Gomes, de Brahms a Metá Metá, de Samuel Rosa a Krysztof Penderecki—, um espetáculo com música orquestral tocada no palco em tempo real é uma novidade para a companhia.

Ainda mais pelo fato de a concepção não ter sido pensada para um teatro tradicional de ópera e balé (com fosso para a orquestra), mas para as modernas salas de concerto, nas quais o palco tem de ser dividido entre músicos e bailarinos. Foi assim em Los Angeles e na Sala Minas Gerais.

Duas são as consequências principais: primeiro, a música ao vivo exigirá mais flexibilidade de tempo (músicos clássicos em geral não atuam com um "clic" de pulsação fixa, além do fato de que o maestro estará de costas para os dançarinos).

Segundo, a movimentação no palco será por força mais limitada (restringe-se, no caso, a uma faixa horizontal na frente dos músicos), e a iluminação não assumirá o protagonismo habitual que tem nos espetáculos do Corpo.

O artesanato móvel de Rodrigo Pederneiras, no entanto, transforma tudo isso em elemento criativo. Ginastera começa com o piano imitando as cordas soltas de um violão, o que dá a deixa para o tema recorrente da "Dança dos Trabalhadores Rurais".

Ensaio do espetáculo 'Estancia', do Grupo Corpo
Ensaio do espetáculo 'Estancia', do Grupo Corpo - José Luiz Perderneiras/Divulgação

Para os copos do Grupo Corpo não há corte entre compassos binários de seis tempos e os de três, como quer o primitivismo telúrico do compositor argentino: a coreografia é, para usar um termo musical, "legato", articulada de modo que tudo se conecte organicamente.

Seja nas cenas em grupos, seja nos solos ou nos espetaculares pas-de-deux, que dominam a seção lenta do balé —cada um mais complexo e criativo que o anterior—, os corpos abertos no espaço são esculpidos antes nas ressonâncias do que nos ataques sonoros. Trata-se de uma beleza forte e triste, plena de solidão e desejos interrompidos.

Da mesma forma sutil, Pederneiras parece temperar o malambo final com movimentos de danças rituais afro-brasileiras. Como de hábito, tais inserções brotam dignificadas, sem notas de rodapé. E os trechos do poema "Martin Fierro", de José Hernandez (narrados-cantados pelo barítono Michel de Souza) são ecoados na dança por seu timbre, nos interstícios dos silêncios.

Antes de "Estancia", o Corpo apresentou "Seis Danças Sinfônicas", de 2015, com música de Marco Antônio Guimarães, uma coreografia na qual cada movimento tem vida própria.

Aqui o sexo até pode ser pleno, e há espaço para uma alegria festiva e doce. Tecnicamente, a força descomunal e a precisão virtuosística se disfarçam, e as individualidades empoderadas (mas dispersas) são amarradas por uma cosmologia improvável.

Dirigida por seu titular Fabio Mechetti, a Filarmônica de Minas Gerais, em grande forma, ainda apresentou as "Danças Sinfônicas" do norueguês Edvard Grieg.

A Sala Minas Gerais tem uma acústica mais "quente" que a da Sala São Paulo. O som se funde facilmente, sem chamar atenção para divisões internas. Mesmo assim, seria impossível não ressaltar a beleza e a impecabilidade dos solos de oboé de Alexandre Barros ao longo do programa.

Estância (Grupo Corpo e Filarmônica de Minas Gerais)

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