Jô Soares ganha peça e fotos sobre sua trajetória teatral um ano após sua morte

Com texto que mistura autobiografia do apresentador a trechos de suas criações, espetáculo curto será apenas para convidados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Um casal discute em cena. A mulher, acuada, tenta convencer o marido, Jack, de que não é a responsável pelo sumiço de um quadro na parede da sala. Em tom agressivo e debochado, ele a acusa de delirar e mentir.

'O Livro Vivo' homenagem a Jô Soares
Os atores Maria Fernanda Cândido, Giovani Tozi, Juca de Oliveira e Erica Montanheiro em 'O Livro Vivo', homenagem a Jô Soares - Priscila Prade/Divulgação

Depois do bate-boca, a peça é encontrada e finalmente revelada para o público, que surpreso vê um retrato de Jô Soares.

"Eu sou exibido mesmo", disse o apresentador em sua autobiografia, "O Livro de Jô", na qual também escreveu o motivo de exibicionismo —a sua dependência da plateia, a quem dedicou, em suas palavras, a própria vida.

A briga entre o casal faz parte de "Gaslight", adaptação da peça de Patrick Hamilton escrita por Jô Soares no hospital, pouco antes de sua morte. Um ano depois, a cena é incorporada por Giovani Tozi ao curto espetáculo "O Livro Vivo", que mistura trechos da autobiografia de Jô aos textos de suas peças.

O quadro com a foto estava fora do roteiro e foi uma homenagem prestada pelos atores ao diretor, que não chegou a ver o espetáculo em ação. Antes da morte do humorista em agosto de 2022, Tozi se dedicou a estudar sua produção na dramaturgia, como escritor e diretor de peças de teatro.

A paixão pela segunda arte despertou cedo, como narra Jô em sua biografia quando, por exemplo, relembra as idas aos teatros em Paris acompanhado da mãe. A lembrança é encenada na peça pelo próprio Tozi, que representa um Jô jovem, e Erica Montanheiro. De repente, os personagens se transformam e o diálogo passa a ser entre Jack e Bella, a respeito do quadro desaparecido.

O ator e dramaturgo Juca de Oliveira, amigo de Jô, interpreta o próprio como narrador do espetáculo. "Trabalhamos em várias peças juntos", diz, como "Às Favas com os Escrúpulos", na qual foi dirigido por Jô e contracenou com Bibi Ferreira.

"Também brincávamos muito juntos", lembra. Uma de suas memórias favoritas foi quando Jô, enquanto dirigia seu carro, se voltou para Oliveira, que estava no banco do passageiro, e sugeriu que fizessem um exercício de comédia chamado "recados urgentes".

"Ele abriu a janela e ficou gritando para as pessoas e carros que passavam na contramão, coisas como ‘o Zezinho mandou dizer que não pode ir lá hoje!’, recados urgentes sem parar o carro para explicar", diz, entre risadas.

Além de Juca de Oliveira e de Giovani Tozi, Erica Montanheiro e Maria Fernanda Cândido também compõem o elenco de "O Livro Vivo", que terá uma apresentação única apenas para convidados –mas inaugura a abertura da exposição fotográfica de Priscila Prade, que ficará aberta ao público durante o final de semana.

Prade fotografou as montagens teatrais de Jô Soares nos últimos dez anos. As cenas eternizadas em imagens revelam atores como Gloria Menezes, José Wilker, Jandira Martini e Denise Fraga em ação.

Depois de subir pela primeira vez em um palco como ator, em "A Compadecida", de Ariano Suassuna, Jô escreveu e dirigiu nove espetáculos no total. Entre seus trabalhos encenados estão "Frankenstein’s", de 2003, "O Eclipse", de 2006, e "Histeria", de 2016. Apaixonado por William Shakespeare, o apresentador adaptou e dirigiu "Ricardo 3º", "Troilo e Créssida" e "Romeu e Julieta".

"O maior desafio de fazer Shakespeare no Brasil é a tradução. Às vezes simplesmente não se adapta no palco" escreveu, em sua biografia, onde cita a fórmula de sucesso do dramaturgo Millôr Fernandes —"olho no texto e ouvido no palco". O humorista documenta também, a recepção da crítica teatral de sua adaptação de "Romeu e Julieta", acusada de excesso de falas na boca dos Capuleto.

"O Jô frequentava saraus na minha casa. Ele sempre levava os sonetos de Shakespeare para ler, era o ponto máximo do sarau", diz Maria Fernanda Cândido, amiga de longa data do apresentador e responsável por encarnar Créssida em sua adaptação shakespeariana para os palcos brasileiros.

Segundo a atriz, o trabalho de mesa do humorista, momento em que os atores fazem a leitura do texto em conjunto, como o melhor do qual já participou.

"Ele lia todos os personagens e, como ator fabuloso, dava musicalidade a eles. E o tempo de piada, que é matemático. Tem uma respiração, uma pausa e o tiro, que é a comédia", afirma Giovani Tozi.

Segundo Erica Montanheiro, a voz do amigo Jô Soares está sempre presente durante os ensaios, ainda apontando o que deve melhorar.

"Bibi Ferreira falava que sentia com Jô como se estivesse em um trapézio de circo e sabia que ele estaria lá para a segurar quando ela se jogasse. Acho que todo mundo que foi dirigido por ele se sentia assim. A gente tenta e, se for ruim, damos risada e fazemos outra coisa."

O Livro Vivo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.