Os livros do escritor mexicano Juan Pablo Villalobos têm uma virtude rara: fazer rir. É um riso, porém, com boa uma dose de seriedade, gerado por um modo de transfigurar a realidade que a revela em seus aspectos insólitos.
No seu novo romance, "A Invasão do Povo do Espírito", a graça reaparece, embrenhada a um certo peso de desalento, em uma história que mistura imigração com invasão alienígena.
O enredo é apresentado logo na primeira página por uma voz narrativa que recorre à primeira pessoa do plural: "Esta é a história de Gastón e de seu melhor amigo, Max. É também a história de Gato, o cachorro de Gastón, e de Pol, o filho de Max. Há muitos outros personagens nesta história, mas sempre acompanharemos Gastón, como se pairássemos atrás dele e tivéssemos acesso a seus sentimentos, a suas sensações, ao fluxo do seu pensamento".
Gastón é um agricultor solitário que se despede aos poucos do seu cachorro doente, Max é dono de um restaurante, que está prestes a fechar as portas, de comida nativa da sua terra natal; os dois criaram juntos Pol, que volta de uma expedição científica com ideias pouco convencionais sobre a origem da espécie humana.
A trama de "A Invasão do Povo do Espírito" tem um quê de engenho e outro de simplicidade, ao narrar uma longa amizade que envolve despedidas, fins de ciclos, a tristeza de não conseguir acessar uma antiga cumplicidade e o alívio de reencontrá-la nem que seja por poucos instantes. Isso tudo é ambientado em uma cidade europeia cheia de pessoas que chegam e de pessoas descontentes com essas chegadas.
Quem é o "nós" que conduz o enredo? Não é dito. Na prática é como se fosse um narrador entre a primeira pessoa e a onisciência. Vemos o mundo como se estivéssemos ao lado de Gastón, e os outros personagens são legíveis ou ilegíveis do mesmo modo que o são para ele. O acesso a seus pensamentos, no entanto, é interditado em certos momentos.
Esse narrador híbrido é um tipo de camada que se põe entre o que podemos ver e a complexidade da vida de modo mais geral: assim como o "aplicativo de mensagens instantâneas" medeia o contato de Gastón com os parentes que tanto evita; assim como o joguinho das "balas coloridas" medeia o contato de Max com a tristeza que o deixa prostrado.
A perspectiva da narração consegue significar alguma coisa para além da sacada estilística: é como se alertasse o quão indireto é o nosso contato com aquilo que nos circunda e o quão restrita é a porção de realidade que uma pessoa consegue alcançar.
Em "A Invasão do Povo do Espírito", nada é nomeado ao pé da letra, a começar pela cartografia: no lugar dos nomes convencionais, encontramos o "cone-sul", a "península", o "extremo oriente", entre outras coordenadas.
As referências embaralhadas, porém, são claras; na verdade, ao se desviar da literalidade a sensação de babilônia é expressa com ainda mais intensidade. E isso extrapola as referências espaciais: a despeito das suspensões metalinguísticas, este é um romance que quer contar uma história, e o faz enquanto transmite o clima macabro de ameaça, destruição e incompreensão que ronda o nosso tempo.
Villalobos dedica este livro aos seus pais e aos seus filhos, o que se liga ao cerne do enredo: o modo como o passado determina o presente e o futuro em aberto. Mas a correlação de heranças e promessas é desdobrada também em personagens imigrantes que desejam expulsar outros imigrantes mais recentes do país que os colonizou.
Dessa forma, as questões irresolvíveis e essenciais —quem somos; para onde vamos— são, ao mesmo tempo, tratadas com a devida seriedade e retratadas em manifestações mesquinhas, como a paranoia persecutória ou a aversão pelo diferente.
A raridade do riso provocado pelo livro está justamente nessa capacidade de conciliar essencialidade e mesquinharia, com um estilo sóbrio que distorce para iluminar aquilo que é tão difícil compreender.
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