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Como 'The Overstory' traduziu a música das árvores para sons de ópera

Compositor Tod Machover transformou livro de Richard Powers em uma câmara sonora, em peça estrelada por Joyce DiDonato

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Thomas May
The New York Times

Os temas musicais estão sempre presentes no trabalho do romancista Richard Powers, frequentemente entrelaçados com ciência e questões sociais.

A decodificação paralela de Johann Sebastian Bach e do DNA, de "The Gold Bug Variations", a saga de uma família multirracial de artistas clássicos apresentada diante do pano de fundo dos acontecimentos da era da luta pelos direitos civis, de "The Time of Our Singing" —uma das assinaturas dos romances de Powers é a virtuosidade com que ele entrelaça esses filões em narrativas que parecem a um só tempo surpreendentes e inevitáveis.

O escritor Richard Powers - Daniel Leal-Olivas/AFP

Com o seu 12º romance, "The Overstory", que recebeu o Prêmio Pulitzer de ficção em 2019, Powers recorre às descobertas da dendrologia —o estudo das árvores— e às ansiedades ambientais contemporâneas para insinuar uma música que está sempre presente mas que em grande parte não é reconhecida —a música da natureza, tal como representada pela vida das árvores.

Powers disse em uma entrevista que a sua "preocupação com o mundo mais que humano, o mundo vivo para além do humano", tinha empurrado o seu trabalho em uma nova direção, em "The Overstory", que ele definiu como "o mais lírico dos meus romances". É uma história contada em grande escala, com um elenco estendido de personagens, amplo alcance geográfico e uma cronologia longa.

O compositor Tod Machover sentiu o potencial lírico da história logo que a leu e se sentiu especialmente atraído por sua relevância.

"Os temas que Powers reúne aqui são muito importantes", disse Machover em uma entrevista telefônica, do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, onde ele dirige o grupo Opera of the Future. "Eu sempre quis escrever um trabalho teatral com muitas vertentes que se juntam de uma forma invulgar."

O primeiro esforço de Machover quanto ao material, "Overstory Overture", foi uma ópera de câmara curta com Joyce DiDonato no Alice Tully Hall, no Lincoln Center, em Nova York. A obra, que foi concebida tanto como um prelúdio para uma ópera em grande escala quanto como uma peça isolada, foi encomendada pela orquestra de cordas Sejong Soloists —a maior encomenda que eles já fizeram a um compositor contemporâneo— e será apresentada sob a direção do jovem maestro Earl Lee.

Machover —compositor, inventor, educador e pesquisador sobre a interconexão entre música e tecnologia— desenvolveu abordagens inovadoras quanto à eletrônica e é um pioneiro na aplicação da inteligência artificial à música.

"Overstory Overture" mistura sonoridades eletrônicas e instrumentais com a voz e atuação de DiDonato, para retratar a protagonista do livro, a especialista em árvores Patricia Westerford. Quatro cenas intimamente tecidas destilam não só sua trajetória, mas também os temas maiores do romance —comunicação, devastação ambiental e o que Machover descreve como "a necessidade de sair de si mesmo e de reconhecer conexões que costumamos tomar como garantidas".

Essa não é a primeira adaptação lírica da ficção de Powers. Quando o compositor belga Kris Defoort estreou sua reelaboração de "The Time of Our Singing", em 2021, em Bruxelas, Powers disse que ela representava "um belo fechamento do círculo", tomando sua narrativa centrada na música e a "pondo de novo em forma musical".

Mas os desafios oferecidos por "The Overstory" são diferentes. Powers disse que vários compositores tinham expressado o desejo de adaptar o romance como ópera, mas ele escolheu Machover devido a uma admiração de longa data por sua música e a uma afinidade temática.

Ele observou que trabalhos como "Death and the Powers: The Robots’ Opera", de 2010, de Machover, examinam questões de tecnologia e suas ramificações humanas de uma forma que fica muito próxima às preocupações de seus romances precedentes.

"Foi interessante para mim que tanto eu como Tod, que tínhamos explorado a interdependência entre homem e máquina, tivéssemos agora deslocado a nossa atenção para a interdependência entre os seres humanos e outros seres vivos", disse Powers.

Fã de DiDonato, o escritor acrescentou que ficou "completamente encantado" quando soube que ela iria criar o papel de Patricia —"o coração e a alma de todo o livro, o aspecto que liga todo o resto".

Em vez de se envolver na criação do libreto, Powers disse que preferiu que ele fosse criado por "pessoas que saibam como atingir as vísceras e as mentes das pessoas dentro de uma sala de concertos em tempo real". Machover recorreu ao escritor, ator e diretor britânico Simon Robson, com quem tinha colaborado na sua ópera "Schoenberg in Hollywood", de 2018.

Para esta primeira parte do projeto, Robson comprimiu a maneira pela qual Powers delineia Patricia ao longo do romance em uma sequência de cenas que evocam arquétipos míticos, à medida que ela começa a compreender a linguagem oculta da floresta.

Alma e bússola moral do romance, ela sofre com as árvores o assalto de "adereços petroquímicos, motosserras e machados", antes de encontrar a paz em uma nova conexão —que Machover vê como "o que poderia surgir de um tipo diferente de sinergia entre um ser humano e as árvores".

O romance de Powers ressoou fortemente com DiDonato, disse a cantora, devido ao seu projeto plurianual de excursões mundiais, "Eden", que trata da mudança no clima e do nosso lugar na natureza. Ela também tem uma ligação de longa data com Machover —o primeiro papel principal de DiDonato veio em sua ópera "Resurrection", de 1999, baseada em um romance curto de Liev Tolstói.

"Foi a primeira vez que consegui deixar a minha marca como artista completa", ela disse em uma entrevista.

Encontrar uma linguagem vocal para Patricia foi uma colaboração, "e totalmente uma experiência Tod Machover", ela disse. "Procuramos que tipo de sons podíamos criar a partir de mim e em conjunto com a eletrônica e também os instrumentos acústicos."

No entanto, apesar de todas as intervenções tecnológicas, é a melodia, o mais natural dos elementos musicais, que tem importância crítica, aqui. "Tentei tornar a linha melódica muito presente —um grande desenvolvimento do princípio ao fim", disse Machover.

Os planos para uma ópera mais ampla baseada em "Overstory" continuam a ser preparados, mas "Overstory Overture" mapeia uma linguagem musical que ele espera incorporar.

"Há uma música nas palavras", disse Powers. "Quando escrevo, tento usar essa música para apoiar os fundamentos semânticos da história." Quando um compositor como Machover adapta isso a uma forma musical, "ele também está explorando essa equivalência pelo outro lado, para tomar o significado das palavras e as pôr de volta em uma paisagem sonora que incorporará esse significado".

Tradução Paulo Migliacci

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