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Natalia Timerman finge a dor que sente em livro 'As Pequenas Chances'

Psiquiatra, mãe e doutoranda em literatura fez fama com 'Copo Vazio' enquanto abraçava o mundo e equilibrava faltas

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pintura de flores, conchas e pedras espalhadas por mesa rendada

Ilustração de Ana Elisa Egreja para a capa do novo romance de Natalia Timerman, 'As Pequenas Chances' Ana Elisa Egreja/Divulgação

São Paulo

Natalia Timerman recebe a reportagem em seu consultório. Acostumada a analisar, porque é também psiquiatra e psicoterapeuta, experimenta uma inversão curiosa ao se abrir naquele espaço. Conversa sobre seu novo livro, "As Pequenas Chances", sentada em sua cadeira e deixa o divã para a visita. É preciso estabelecer limites, afinal.

Retrato da autora e psiquiatra Natalia Timerman, que está lançando o livro 'As Pequenas Chances', que fala sobre o luto após a perda do pai - Jardiel Carvalho/Folhapress

Sua nova obra, que diz ser a mais importante até agora para ela, passeia pela fronteira que separa a realidade e o artifício ao encarar o luto. A protagonista, que leva o nome da autora, aguarda seu voo quando esbarra no médico de cuidados paliativos que atendeu Artur, seu pai, morto de câncer. O encontro traz à tona as memórias de seus últimos dias e da dor que se seguiu à morte.

Tal como sua personagem, Timerman perdeu seu pai Artur para o câncer. Episódios que retratam os dias e noites junto ao ele no hospital e, acima de tudo, o sofrimento ali é verdadeiro. Mas várias cenas do livro foram inventadas.

Um exemplo é uma viagem em que Natalia se reconecta com a história dos seus antepassados judeus, construída a partir do relato de uma viagem na verdade feita pela jornalista Thais Bilenky.

Como sugere Fernando Pessoa, Natalia faz sua ficção fingindo que é dor a dor que deveras sente. E não faz buscando qualquer catarse ou cura por meio da escrita, diz.

"A literatura sempre foi... Não um lugar de paz, porque é perturbadora, mas uma necessidade. Se eu não estou perto dela, me falta algo muito crucial, como se estivesse fora do eixo, algo que desbalanceia na minha vida."

A vontade de contar histórias veio muito antes da medicina, profissão que seguiu muito por influência do pai e chegou a pensar em largar. "Eu era aquela criança que falava que queria ser escritora quando crescesse, sempre tive uma sensação de estar em casa na literatura", afirma. Ao longo da vida, colecionou textos inacabados. Eram muitas ideias, mas nenhuma parecia a certa, a que merecia ir até o fim.

"Desterros: História de um Hospital-Prisão", publicado em 2017 pela Elefante, batizou Timerman como escritora. O livro, que traz relatos de sua experiência como psiquiatra no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário de São Paulo, surgiu como sua tese de mestrado em psicologia na Universidade de São Paulo. A pós-graduação entregou a ela um tema e a obrigação de escrever.

Após estrear na ficção em 2019 com "Rachaduras", livro de contos que saiu pela editora Quelônio, publicou seu primeiro romance, "Copo Vazio", em 2021 pela Todavia. A obra, que fala sobre o sumiço inesperado de um namorado —o conhecido ghosting— vendeu 28 mil cópias e continua escalando a escritora para participações em programas e podcasts.

Timerman diz que, em muitas entrevistas, querem que ela fale como psiquiatra em vez de escritora, e alguns leitores esperam encontrar recomendações para lidar com suas dores em sua obra. Ela afirma que isso a incomoda, mas se conforma.

Ela teve, inclusive, que aprender a falar sobre ghosting pela perspectiva clínica, já que conheceu o assunto na própria carne. Tal como a protagonista de sua ficção, ela viveu um relacionamento de três meses com um homem que, depois, sumiu.

Além das jornadas como escritora e psicoterapeuta, Timerman ainda cumpre os papéis de mãe e doutoranda em literatura. "As Natalias são uma só, são várias e se misturam. E estão sempre em dívida. Fazer esse tanto de coisas é administrar culpas", afirma. "Meu companheiro fica com meus filhos mais que eu."

"Se fosse o contrário, se o homem trabalhasse mais e a mulher ficasse mais tempo com os filhos, isso nem sequer seria uma questão. Agora, o contrário não é naturalizado e me gera culpa. É difícil, mas meus filhos compreendem", continua.

"Não tem uma receita. É preciso aceitar a própria impotência, fazer o melhor. Mas isso não é uma ajuda. É trágico, sabe? É na falha que eu escrevo."

Tal como "Copo Vazio" e "As Pequenas Chances", seu próximo livro parte da realidade, mas não será de ficção como os anteriores. Após falar sobre o luto da perda do pai, ela olha para a mãe em um livro que registra a experiência do Alzheimer.

As Pequenas Chances

  • Preço R$ 69,90 (208 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria Natalia Timerman
  • Editora Todavia
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