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Artes Cênicas

São Paulo Companhia de Dança celebra o ritmo de Villa-Lobos e Stravinsky

Estreias de 'Le Chant du Rossingol', de Marco Goecke, e 'Di', de Miriam Druwe, promovem diálogo entre música e artes visuais

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"Le Chant du Rossignol", espetáculo da São Paulo Companhia de Dança Charles Lima/Divulgação

São Paulo

Heitor Villa-Lobos só se tornou um compositor brasileiro diante da arte estrangeira. Em 1923, ele viajou a Paris e percebeu que o processo composicional francês, influência estruturante do repertório apresentado na Semana de Arte de 1922, já não era empregado nem mesmo pelos franceses. Villa-Lobos apreendeu a modernidade musical ao presenciar a revolução empreendida por Igor Stravinsky, que, à época, morava na mesma cidade.

"Le Chant du Rossignol", espetáculo da São Paulo Companhia de Dança - Charles Lima/Divulgação

Até então, o contato de Villa-Lobos com a obra do compositor russo se dera no Rio de Janeiro. Desde 1913, os Ballets Russes, de Serguei Diaghilev, apresentavam, no Theatro Municipal, os clássicos "Petrushka", "A Sagração da Primavera" e "Pulcinella". Não à toa, é simbólico que o encontro entre os dois compositores seja mediado, agora, por uma apresentação da São Paulo Companhia de Dança, no Theatro São Pedro.

No programa dirigido por Inês Bogéa, a estreia da coreografia "Le Chant du Rossignol", do alemão Marco Goecke, se justapõe à "Di", de Miriam Druwe. "Le Chant du Rossignol" tem origem no poema sinfônico de mesmo nome, composto por Stravinsky em 1917. A obra, por seu turno, é um trabalho do autor sobre os atos dois e três de sua ópera, "Le Rossignol", criada três anos antes, a partir de um conto de Hans Christian Andersen.

A coreografia de Goecke tematiza a solidão humana, apresentando seguidos solos, interpretados com brilho pelos bailarinos Ammanda Rosa e Yoshi Suzuki. O cenário preto é um vetor que se anula na roupa preta dos artistas em cena. De modo análogo, a movimentação dos holofotes persegue o movimento dos corpos, estabelecendo ali uma correspondência entre a geometria da dança e o desenho de luz.

A criação de Goecke não evita a literariedade dos passos. Imóveis em cena, os bailarinos vibram as mãos e se transformam, eles próprios, em rouxinóis. A imobilidade, nesse sentido, representa a solidão humana, enquanto a vibração de braços e pernas estabelece um tensionamento entre o corpo e o exterior. Representando pássaros, os bailarinos parecem aprisionados, numa luta corporal pela liberdade.

Regida pelo maestro Cláudio Cruz, a Orquestra do Theatro São Pedro mimetiza uma revoada de rouxinóis. Ao que indica a partitura, o som dos rouxinóis não se limita aos piccolos, se transfigurando na qualidade timbrística dos demais instrumentos.

É nesse momento que o espetáculo acontece: na simbiose entre música sinfônica e coreografia, correspondência fundadora preconizada pela linguagem balética. "Le Chant du Rossignol" não é, porém, uma criação soturna. A graça dos animais se traduz, musicalmente, no segundo movimento do poema sinfônico, intitulado "Marcha Chinesa", em que Stravinsky se apropria da escala oriental.

Villa-Lobos e Stravinsky estão irmanados pela rítmica. O interesse pela musicalidade popular é comum aos dois compositores. Em seu período mais radical, Stravinsky se aprofundou no folclore russo para criar um estilo de composição cuja progressão se dá aos arroubos rítmicos, como no caso de "Le Chant du Rossignol". Sobretudo, a estética revolucionária de Stravinsky se estrutura na violência do ritmo.

De modo similar, Villa-Lobos deglute a expressão musical dos centros urbanos, notadamente os chorões, para incorporar em sua composição sinfônica. (Ademais, ambos os compositores atravessariam, cada um a seu tempo, um período de produção neoclássica.)

Em "Di", a rítmica aparece na percussão exuberante de "Choros nº6". Ao contrário da obra de Goecke, Druwe aposta no conjunto de bailarinos, que simboliza a potência cultural do povo brasileiro. Nesse cenário modernista, obras do pintor Di Cavalcanti aparecem num imenso telão, ditando as composições geométricas em cena.

As telas "Mulata com Ramalhete de Flores", "O Luar" e "Carnaval" são vivificadas pelos próprios bailarinos. A explosão de cores se completa nos figurinos, que acrescenta ares de uma novela de época. Na coreografia, Druwe se vale de um procedimento típico de Villa-Lobos. Ela não cita passos das festas populares, mas recria as celebrações no interior da coreografia, reproduzindo até uma quadrilha de festa junina.

Em suma, o traço de Di Cavalcanti funda a coreografia e desenvolve as potencialidades da música de Villa-Lobos, intérprete maior da realidade brasileira.

São Paulo Companhia de Dança

  • Quando Qui., Sex. e Sáb. às 20h; dom às 17h
  • Onde Theatro São Pedro - r. Barra Funda, 161
  • Preço De R$ 30 a R$ 100
  • Classificação Livre
  • Autoria Marco Goecke e Miriam Druwe
  • Direção Inês Bogéa e Cláudio Cruz
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