Descrição de chapéu Financial Times

Como marcas como a Disney têm mudado a imagem de seus países de origem

Da Suécia da Ikea aos relojoeiros suíços, empresas agora monetizam o passado das nações onde foram fundadas

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Simon Kuper
Financial Times

O que são os Estados Unidos? Ou a França? Ou a Itália? Contar essa história costumava ser trabalho dos políticos. Eles moldavam as marcas nacionais. Charles De Gaulle falava de sua "certa ideia da França" e Ronald Reagan retratava os EUA como uma "cidade brilhante no topo de uma colina".

Mas agora os políticos raramente têm sucesso em produzir narrativas nacionais. Em parte, isso se deve à divisão de seus países. Os EUA de hoje é o lugar retratado por Donald Trump ou Joe Biden? E assim, argumenta o autor francês Raphaël Llorca em seu novo livro "Le Roman National des Marques", algo como a história nacional das marcas", o trabalho de contar a história nacional passou para as corporações.

Muitas empresas constroem suas marcas corporativas com base em marcas nacionais. A Ikea vende uma versão "Disneyficada" da Suécia, a Hermès faz o mesmo com a França, e os relojoeiros suíços, com a Suíça. Llorca chama essa tendência de "privatização dos imaginários nacionais".

Público na entrada da Disneylândia, nos Estados Unidos - Mario Tama/Getty Images via AFP

Observar as marcas corporativas manipulando as marcas nacionais ajuda a esclarecer como essas nações são percebidas. Mais do que isso: marcas corporativas fortes têm o poder de mudar as marcas nacionais. Campanhas de marketing inteligentes para produtos podem remodelar a imagem de populações inteiras.

À medida que o comércio internacional cresceu a partir da década de 1950, mais corporações viram vantagem em se envolver com as bandeiras de seus países de origem. Daí as propagandas de longa duração da Audi na TV britânica usando o slogan alemão "Vorsprung durch Technik", ou vantagem através da tecnologia.

Não importava que poucos britânicos entendessem a frase. A mensagem transmitida era simples: a Audi era alemã. As marcas de carros já estavam reconstruindo a marca nacional da Alemanha na mente dos alemães. Em um país pós-guerra com medo de seu próprio nacionalismo, os fabricantes de automóveis se tornaram depósitos seguros para o orgulho patriótico. Gradualmente, os carros remodelaram também a visão dos estrangeiros sobre a Alemanha.

Marcas internacionais sem lugar definido podem prosperar, mas outras cada vez mais tentam se ancorar em sua terra natal original. Pense no slogan da Renault —"Made of France", ou feita na França. Essa é uma tendência especialmente europeia, já que muitas empresas do continente descobriram que estão no negócio de monetizar noções do passado nacional.

A marca do país ajuda a explicar por que quatro das dez empresas europeias mais valiosas são marcas de luxo francesas. Hermès, L'Oréal, Dior e outras vendem uma ideia de artesanato francês de alta qualidade que se origina quase inteiramente do século 17 na corte de Versalhes. Llorca cita o professor de marketing Benoît Heilbrunn. "De certa forma, Luís 14 inventou a marca nacional". França e Itália são "marcas de estilo de vida", diz Simon Anholt, especialista em marcas nacionais.

A empresa de móveis Ikea também ajudou a transformar a Suécia em uma marca de estilo de vida. Sob um logotipo corporativo que é uma cópia da bandeira nacional azul e amarela, a Ikea vende designs e noções de domesticidade aconchegante e igualitária.

É claro que todas as marcas são versões simplificadas de nações complexas. Elas são direcionadas mais para estrangeiros. No entanto, como essas marcas estão onipresentes, acabam mudando a autopercepção dos suecos e italianos. A Eataly reformula a Itália.

Enquanto as europeias tendem a evocar o passado, as americanas geralmente significam um futuro opulento. Isso começou nas décadas do pós-guerra, quando a Levi's e a Coca-Cola "eram" os Estados Unidos. Mais tarde, de forma mais negativa, o McDonald's assumiu este papel. Sua comida obesogênica parecia apagar as tradições locais e padronizar o mundo. Isso prejudicou a marca nacional americana.

Hoje, marcas americanas como Nike e Apple ainda evocam novidade de uma maneira que as marcas europeias não conseguem. A marca nacional sul-coreana adquiriu esse poder, e o Japão o perdeu desde a década de 1990.

É verdade que a tecnologia americana é melhor do que a tecnologia europeia. Mas também é melhor a marca da tecnologia americana. As tentativas do governo francês de promover a marca "French Tech" entram em conflito com a marca nacional mais forte que denota o passado.

Da mesma forma, Manuel Muñiz, que comandou a campanha "Global Spain" do governo espanhol, tentou exaltar a ciência espanhola. O problema era que os estrangeiros viam a Espanha como uma marca de estilo de vida, e não como uma marca de tecnologia.

Com o benefício da retrospectiva, diz Muñiz, ele teria se concentrado mais nos "ativos reais" do que aquilo que os estrangeiros associam à Espanha —o esporte, acima de tudo. Na mente de muitos, o Real Madrid e o FC Barcelona são a Espanha. Não é uma má marca nacional para se trabalhar.

Tudo isso é importante, porque as marcas nacionais não apenas marcam produtos, desde batatas fritas até chips de silício. Elas também marcam cada cidadão de uma nação. Para melhor ou pior, dependendo de onde você vem, o principal ponto de venda do seu currículo pode ser a sua marca nacional.

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