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Egito acolhe a magia e supera a Europa em livro de fantasia premiado

Detetive investiga assassinato brutal de uma seita de britânicos no Cairo no inovador 'Mestre dos Djinns'

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Mestre dos Djinns

  • Preço R$ 84,90 (352 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria P. Djèlí Clark
  • Editora Suma
  • Tradução Solaine Chioro

Um dia corriqueiro no trabalho da detetive Fatma el-Sha’arawi inclui coisas como robôs eunucos, anjos, demônios e deuses da Antiguidade. Coisa de quem trabalha para o Ministério de Alquimia, Encantamentos e Entidades Sobrenaturais do Egito.

Fatma é a protagonista do romance "Mestre dos Djinns", do escritor americano P. Djèlí Clark. O livro venceu no ano passado o prêmio Nebula, que celebra os melhores trabalhos de ficção científica e fantasia publicados nos Estados Unidos. Sai no Brasil com tradução de Solaine Chioro.

homem negro de terno e cabelo preso para trás, em foto em preto e branco
O escritor americano P. Djèlí Clark, premiado por 'Mestre dos Djinns' - Le Image Photography/Divulgação

A história se passa em 1912, no Cairo, em uma realidade alternativa. A grande diferença em relação ao nosso mundo é que, naquele inventado por Clark, um homem misterioso chamado al-Jahiz rompeu a barreira entre nós e o sobrenatural.

Países como os Estados Unidos e o Reino Unido não reagiram bem à novidade. Já os egípcios a celebraram: acolheram as criaturas fantásticas e, com elas, sua magia. O Egito expulsou assim seus antigos poderes coloniais e virou uma potência na virada do século 19 para o 20. Alguns americanos acabaram inclusive imigrando para o Cairo, fugindo do racismo e da segregação racial em seu país.

A premissa é criativa e ousada. Tem a qualidade literária das obras que são tão específicas que mais ninguém poderia ter escrito.

Clark, um historiador americano com raízes caribenhas, já vinha explorando esse universo há alguns anos. Começou em 2016 com o conto "Um Djinn Morto no Cairo", onde Fatma aparece pela primeira vez. Este é seu primeiro romance.

O texto funciona sozinho e não requer a leitura das histórias anteriores da detetive, apesar de elas valerem a pena. Fatma é uma dessas personagens carismáticas que funcionam nas páginas. É uma detetive eficiente até demais, meio ranzinza, com um mau humor divertido.

No conto "Um Djinn Morto no Cairo", uma de suas tarefas era impedir um suposto anjo de construir uma máquina apocalíptica. Já em "Mestre dos Djinns", Fatma tem que investigar o brutal assassinato de uma seita de orientalistas britânicos no Cairo.

Fatma descobre que o responsável pelo massacre tem poder de controlar os djinns, criaturas mágicas da tradição árabe-islâmica também conhecidas como "gênios" em português. Clark costura tudo isso em uma estética steampunk, extrapolando tecnologias e ideias do final do século 19, como máquinas a vapor, com retoques vitorianos.

É bastante coisa para um livro só. Isso sem mencionar todas as discussões sociais contemporâneas que Clark projeta no romance. Há as questões de gênero e de sexualidade, por exemplo. Fatma é uma mulher em um local de trabalho dominado por homens; ela veste ternos e namora outra moça. Aborda-se também o racismo ao incluir uma personagem do sul do Egito discriminada por ter uma pele mais escura.

De um jeito inesperado, tudo funciona e nada parece artificial —algo que dá testemunho do talento de Clark.

Com tanta inovação no conteúdo, é quase reconfortante que o formato do texto seja conservador. Clark não tenta repensar os limites da linguagem. Usa sujeito, verbo e predicado. É bastante didático também, porque sabe que nem todo leitor tem familiaridade com as criaturas da mitologia islâmica.

O resultado é um bom e divertido romance. Talvez seu maior defeito seja o efeito de curto prazo. Não é o tipo de livro para se ler duas vezes.

Com tudo isso, "Mestre dos Djinns" é um poderoso texto de verve pós-colonial, imaginando um mundo em que o Egito teve a oportunidade de se desenvolver mais do que a Europa. É o Reino Unido que é obsoleto nesse universo alternativo. A mensagem, nesse sentido, é de que a sorte das nações é circunstancial —e pode mudar.

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