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Ricardo Araújo Pereira discute a história e o futuro do humor em seu podcast

Comediante, que se dedica ao gênero há 25 anos, afirma que a situação dos humoristas no Brasil é pior do que em Portugal

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Lisboa

Apresentador do programa de entretenimento líder de audiência na TV portuguesa, autor de mais de uma dezena de livros, colunista deste jornal e protagonista das campanhas publicitárias de algumas das principais marcas do país. Ricardo Araújo Pereira, de 49 anos, é onipresente em Portugal.

A última fronteira midiática a ser desbravada eram os podcasts, o que ele acaba de fazer com o novo "Coisa que Não Edifica e Nem Destrói", que tem como ponto de partida a análise das muitas complexidades do humor, gênero ao qual ele se dedica há 25 anos.

O humorista Ricardo Araújo Pereira
O humorista Ricardo Araújo Pereira - Estelle Valente/Divulgação

"O podcast é o de uma pessoa com uma obsessão com esse assunto, que acha fascinante dizer um conjunto de palavras a uma plateia e, no fim, ela produzir um barulho, que é a gargalhada", diz Pereira, que escreve na Folha há cerca de seis anos.

Mas o show está longe de ser um manancial de gracinhas. Há vários trechos em que RAP, acrônimo pelo qual é conhecido, faz monólogos sobre filosofia, história, etimologia, biologia, literatura e outros temas não necessariamente hilariantes. O humor aparece sob escrutínio, analisado sob diversos ângulos.

Em tom de aviso ao público, o programa começa com uma mensagem: "Isso é o podcast de um chato". O nome é inspirado em um trecho das "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. No primeiro episódio, dedicado à definição do humor, RAP analisa a obra, com direito à leitura de alguns trechos e a uma entrevista com Abel Barros Baptista, especialista na obra do escritor.

Intitulado "Sobre Xixi e Cocô", o segundo episódio traz algumas das relações entre o humor e a arte com os excrementos humanos. "Essa é uma das características que os humoristas partilham com as crianças —acharem graça as chamadas funções menos nobres do ser humano."

O quarto episódio, "Sobre Cozinhar Bebês", aborda as reações do público —e dos poderosos— ao humor e as piadas envolvendo temas sensíveis, como questões raciais, políticas e religiosas. Há ainda uma reflexão sobre um texto satírico de 1729 em que Jonathan Swift propunha, em tom de seriedade, assar criancinhas pobres para acabar com a fome na Irlanda.

RAP compara as reações ao texto nos séculos 18 e 19, quando a obra foi reconhecida como uma sátira ao governo irlandês, e na década de 1980, quando gerou manifestações de repúdio após ter sido lida em público na Austrália. "Gostaria muito que alguém definisse [o limite do humor] e me viesse dizer qual é. Acho que humoristas de todos os países ficariam muito agradecidos", diz ele.

Desde que despontou no começo dos anos 2000, como integrante do coletivo de humor Gato Fedorento, RAP acumula críticas por quem se incomoda com seu estilo ácido e vexatório para boa parte da classe política lusitana.

O artista coleciona alguns processos, sendo o mais recente uma queixa-crime apresentada ao Ministério Público português por conta de um quadro em que criticou o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Em seu programa de domingo na TV, RAP chamou o político de "magistarado" após ele comentar, em viagem oficial, o decote de uma emigrante portuguesa no Canadá.

Ele, no entanto, desvaloriza o episódio, dizendo que a situação dos humoristas no Brasil é mais preocupante. "Já fui processado várias vezes em Portugal, mas sempre sou absolvido. Conheço humoristas no Brasil que tiveram problemas graves e precisaram pagar indenizações e coisas desse tipo."

RAP costuma convidar políticos de diferentes espectros políticos para o seu programa, que lidera com folga a audiência no horário nobre dominical. Com os poderosos expostos a perguntas inusitadas, as participações costumam gerar bastante engajamento do público.

O apresentador, porém, já anunciou que o deputado André Ventura, líder do partido de ultradireita Chega, não põe o pé na atração. Nas eleições do ano passado, ele declarou apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro e criticou RAP nas redes sociais.

"Eu não o convido porque não quero. Tenho esse direito", afirma. "Não quero porque ele é diferente dos outros. Os outros respeitam o sistema em que a gente vive, e ele quer destruí-lo. Não jogamos com quem não respeita as regras do jogo", diz o humorista.

Embora seja um dos rostos mais conhecidos do país, RAP mantém discrição sobre sua vida pessoal e nunca divulgou imagens das duas filhas adolescentes. Diz que não acompanha os comentários sobre seus programas e colunas, além de não ter perfis nas redes. "Por eu ser, digamos, uma pessoa antiga, há alguma coisa que me repele nas redes. Há coisas lá que são admissíveis, mas no mundo real são ridículas."

Amigo do humorista e apresentador Gregório Duvivier, RAP fez com ele o espetáculo "Um Português e um Brasileiro Entram num Bar", sobre as diferenças e similaridades da língua portuguesa nos dois lados do Atlântico. "No espetáculo, ou quando estive no Programa do Jô, ocasiões em que pude estar à frente de uma plateia, percebi melhor como ela me recebe. Minha experiência [com o público brasileiro] é ótima."

Coisa que Não Edifica Nem Destrói

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