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Como silêncio de Taylor Swift diante de morte pode abalar sua carreira

Tragédia prova que produtoras como a T4F precisam mudar, e a cantora tem de sair do roteiro para reaver a empatia do público

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A cantora Taylor Swift em show no estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro

A cantora Taylor Swift em show no estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro Alexandre Cassiano/Agência O Globo

São Paulo

Quando subir ao palco do Allianz Parque na noite desta sexta-feira para a estreia da "The Eras Tour" em São Paulo, Taylor Swift estará diante de uma plateia que pode ser a mais desafiadora de sua vida.

São os fãs brasileiros, que homenagearam a cantora no Cristo Redentor, mas agora têm perdido a paciência após viverem dias de cão desde a estreia da turnê no país, no último fim de semana, no Rio de Janeiro. No estádio Nilton Santos, com a sensação térmica de 60ºC, o público assistiu à morte de uma fã e ao desmaio de cerca de mil pessoas.

A cantora Taylor Swift em show no estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro
A cantora Taylor Swift em show no estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro - Alexandre Cassiano/Agência O Globo

Swift já enfrentou crises de imagem, como em seu embate com Kanye West, mas foi nesta vinda ao Brasil que viu pela primeira vez, em 17 anos de carreira, os fãs incomodados. São inúmeros seus desafetos, de outras divas do pop a plataformas de streaming, e a cantora sempre teve os seguidores ao seu lado.

Mas até eles engoliram em seco quando Swift se distanciou da tragédia, ao compartilhar no Instagram uma nota dizendo que estava desolada, mas não falaria mais, nem nas redes nem nos palcos, sobre a fã morta, a estudante de psicologia Ana Clara Benevides, de 23 anos, que teve uma parada cardiorrespiratória.

A situação se agravou quando o público descobriu que a família de Benevides não tinha recebido nenhum apoio e precisou fazer uma vaquinha para levar seu corpo de volta a Mato Grosso do Sul, onde ela vivia, para o sepultamento.

Fã-clubes planejaram um protesto para o último show do Rio, na segunda-feira. Em um momento tradicionalmente dedicado a aplaudir efusivamente a cantora e gritar seu nome, todos ficariam em silêncio e ergueriam placas dizendo que "Ana Clara Benevides não será esquecida".

A manifestação foi cancelada, disseram os fãs, a pedido da família, que desejava apenas as placas erguidas, sem o silêncio. Mas nem isso aconteceu. Por estratégia ou não, Swift emendou uma canção na outra, sem deixar brecha, e acabou aplaudida.

É plausível dizer que a principal responsabilidade em relação ao público não era da cantora, mas da Time for Fun, a T4F, produtora dos shows, além dos órgãos que poderiam fiscalizar o evento, como o Corpo de Bombeiros e o Procon.

Foi a empresa que alugou o Engenhão, pediu as autorizações necessárias à prefeitura carioca e contratou os profissionais envolvidos no evento.

Mas, diante da inação da T4F, a artista ficou em silêncio. Deu a impressão de que quer passar uma borracha no que aconteceu e não tolera ver a morte manchar a reputação da turnê, a mais lucrativa da história do showbizz. Só nos Estados Unidos, a "The Eras Tour" arrecadou US$ 2,2 bilhões, ou R$ 10,8 bilhões.

O problema para a cantora e seu grande elenco não parece ser dinheiro. Para se ter ideia, ao fim das 52 apresentações nos Estados Unidos, Taylor Swift pagou US$ 100 mil, ou meio milhão de reais, como bônus para cada um dos 50 motoristas de caminhões da turnê. Mas oferecer ajuda financeira à família de Ana Clara Benevides poderia significar tomar o problema para si.

Com exceção de jornais tradicionais como o The New York Times, que relatou a confusão, os veículos de imprensa americanos voltados para entretenimento elogiaram o comportamento de Swift. Bastou cantar uma música sobre luto no show que se seguiu à morte, "Bigger than the Whole Sky", para que fosse aplaudida —mesmo sem fazer menção a Benevides.

A postura é diferente do que fizeram artistas que tiveram fãs mortos. Em 2006, o grupo mexicano RBD viu três fãs morrerem pisoteadas numa apresentação. Não se esquivaram e discutiram o caso em um programa do SBT.

Ariana Grande, que em 2017 presenciou a morte de 22 pessoas em um show no Reino Unido após um atentado terrorista, se ofereceu para pagar o funeral de todos e visitou os feridos que sobreviveram.

A repercussão no exterior levou à suposição de que a assessoria teria cultivado os aplausos, o que ganhou força quando o Wall Street Journal publicou, um dia após a morte, a primeira entrevista com o novo namorado de Swift.

Para parte do público, seria uma cortina de fumaça o que o jogador de futebol americano Travis Kelce teria a dizer sobre o relacionamento.

Embora não passe de especulação, é uma suposição válida para o questionamento do quanto o caos vai impactar a imagem de Taylor Swift. Hoje, a principal notícia no exterior é que a cantora não passaria o feriado do Dia de Ação de Graças com o namorado.

O Brasil é um território importante para a artista. Seu último disco, a regravação de "1989", lançado no fim de outubro, teve a maior estreia de um álbum em território brasileiro no Spotify. No entanto, o que pode prevalecer para sua imagem, em termos mundiais, é o que está sendo dito e publicado em inglês.

O público estrangeiro parece estar do lado de Swift. No X, o antigo Twitter, uma parcela raivosa deles pede insistentemente que a cantora deixe o Brasil porque estaria sendo maltratada e correria risco de morte no país. Houve até quem apelasse ao racismo e xingasse os fãs brasileiros de macacos.

Mas, se resta dúvida sobre como ficará a imagem de Swift, o mesmo não pode ser dito da reputação da T4F, que no pregão de segunda teve queda de 9,25% no valor de suas ações.

A T4F não respondeu à reportagem. Às vésperas do show em São Paulo, o CEO da produtora, Serafim Abreu, compartilhou um vídeo no Instagram lamentando a morte e reconhecendo erros.

"Poderíamos ter tomado ações alternativas, como criar locais de sombra nas áreas externas e alterar os horários dos shows", disse. "Entendemos também que todo o setor precisa repensar sua atuação diante desta nova realidade."

Na opinião pública, a produtora vinha em baixa desde a venda de ingressos, que se tornou alvo de investigação do Ministério Público por brigas entre fãs e cambistas em filas desorganizadas e sem segurança, além de falhas no site.

A T4F não executou um planejamento adequado para evitar o desconforto que todos enfrentaram expostos às altas temperaturas no Rio. Pelo contrário. Além de proibir a entrada de água, não garantiu um estoque suficiente para venda e executou o show com as frestas das arquibancadas tampadas, para evitar que quem estivesse de fora visse ou escutasse a apresentação.

A atitude, sem sentido nem sequer comercial, visto que os ingressos estavam esgotados e que o show estava até sendo transmitido ao vivo por fãs nas redes, prejudicou a circulação de ar no estádio e contribuiu para o aumento do calor.

A produtora ainda adotou o uso de placas de metal no chão, o que impedia os fãs de se sentarem para descansar, sob o risco de sofrerem queimaduras.

O pior é constatar que a tragédia era anunciada. É comum entre as produtoras este comportamento errático. Faça sol, faça chuva, ir a um show dessa magnitude é desconfortável. Se houvesse, por exemplo, lugar marcado, como acontece no exterior, é provável que os fãs não dormissem por dias nas filas e poriam sua segurança e saúde em risco.

A tragédia no show do Rio é a prova de que as produtoras precisam mudar e um sinal de que Swift, que segue milimetricamente o roteiro das apresentações, seja um pouco menos engessada para quebrar a sensação de frieza e reaver a empatia do público brasileiro.

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