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Filme sobre Mussum é bom, mas não enfrenta racismo dos Trapalhões

Longa-metragem mostra vida do artista da infância pobre, em uma favela no Rio de Janeiro, ao sucesso no samba e no humor

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Mussum, O Filmis

  • Quando 2 de novembro nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Aílton Graça, Cacau Protásio e Neusa Borges
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Silvio Guindane

Na última cena de "Mussum, o Filmis", o comediante faz um discurso para crianças na quadra da Mangueira. Ele parece olhar para a câmera. Fala que é preciso sonhar. Pede à plateia que não se curve ao preconceito racial. Enfatiza que o estudo é importante. Em certo ponto, repete uma frase que ouvia da mãe na infância: "Tem burro preto, mas preto burro não dá!"

O longa-metragem, estreia de Silvio Guindane na direção de cinema, chega ao fim com essa moral da história. E, com isso, parece resumir a biografia de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, a uma trajetória de superação.

Cena de 'Mussum, O Filmis' - Divulgação

Há superação, claro, na história do menino nascido em uma favela do Rio de Janeiro e teve uma carreira de sucesso tanto na música, com o grupo Os Originais do Samba, quanto na TV, com "Os Trapalhões".

É, sim, uma trajetória improvável. Carlinhos, como era chamado pela família, era filho de uma empregada doméstica analfabeta —que trabalhou para criar os alicerces para a ascensão do menino, como tantas mães em condições parecidas.

Assim, no começo do filme vemos Carlinhos como um menino que corre descalço pela favela e joga bola com os amigos. Também é um garoto que almoça com a mãe as sobras dos patrões dela (apenas batatas) e, mais tarde, precisa ensiná-la a assinar o próprio nome.

O longa trata do racismo a partir do retrato dessas privações materiais. Um dos principais conflitos do protagonista vem dessa realidade: Mussum se divide entre a necessidade de buscar segurança material, possível graças aos esforços da mãe, e um chamado artístico para ser sambista.

Esse embate entre o próprio desejo e o dos pais já seria rico para um jovem privilegiado. Para alguém com origens tão humildes, a própria possibilidade de fazer essa escolha já é um salto em relação à vida que a mãe levava —só que, no caso dele, um passo errado é uma ameaça existencial.

Carlinhos acaba desistindo da carreira estável na Aeronáutica, mas vai ser forçado a reviver o mesmo conflito ao ter que escolher entre o samba e a televisão. Os Originais do Samba tomam essa decisão por ele, ao expulsá-lo do grupo.

Esse é um caminho contado com bons números musicais e um elenco formidável, que consegue brilhar mesmo diante dos defeitos do filme.

Aílton Graça entrega um Mussum gracioso, sem perder a mão nos momentos dramáticos. Yuri Marçal consegue transmitir o enorme carisma do personagem em sua fase jovem, dividido entre a rotina militar e o reco-reco. Cacau Protásio também mostra como seu talento vai muito além da comédia como a mãe de Carlinhos na juventude. E Neusa Borges, magnífica, faz a mesma personagem mais velha.

Como um elenco desses, é uma pena que o filme escolha destacar a superação —e o racismo, como elemento narrativo, surja principalmente como obstáculo a um sucesso profissional.

"Mussum, o Filmis", não enfrenta a contento o racismo em "Os Trapalhões", por exemplo.

Não seria o caso, é claro, de tratar o tema segundo uma cartilha, apenas para apontar o dedo condenando o óbvio, como se os espectadores não fossem capazes de fazê-lo. Mas e o significado disso para a história que se está contando? Como Mussum lidava com a situação, o que ele sentia?

O filme até mostra como ele reagia às piadas racistas, inclusive com cacos, mas não leva as piores à telona. O que o espectador vê é o protagonista ser chamado de "negão" e rebater com a frase "negão é o seu passado".

Parece pouco, se levarmos em conta que Mussum foi chamado em cena de crioulo, macaco, urubu, galinha de macumba e boi da cara preta, entre outros xingamentos.

O personagem que o ator fazia em "Os Trapalhões" dialoga fortemente com um certo uso da figura do negro no humor da TV e do cinema, com piadas calcadas em personagens desdentados, que falam errado, agem como bêbados —Mussum, não custa lembrar, dizia palavras como "cacildis" e estava sempre com sua garrafa de "mé".

Mas o filme passa ao largo do significado de haver um humorista negro de sucesso estrondoso nesse papel. Ao evitar encarar essas questões, o longa acaba evidenciando o quanto ainda elas ainda devem ser delicadas para as pessoas reais que fizeram parte dessa história.

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