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Livros Flip

Laura Wittner oferece janela valiosa para espiar mundo de uma tradutora

Poeta e ensaísta argentina, que está na Flip, faz uma construção perfeita da investigação literária como texto criativo

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Caetano W. Galindo

Tradutor e doutor em linguística, é autor de 'Latim em Pó'

Viver e Traduzir

  • Preço R$ 52 (112 págs.)
  • Autoria Laura Wittner
  • Editora Bazar do Tempo
  • Tradução Maria Cecilia Brandi e Paloma Vidal

Tradução da Estrada

  • Preço R$ 59,90 (80 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Laura Wittner
  • Editora Círculo de Poemas (Fósforo e Luna Parque)
  • Tradução Estela Rosa e Luciana Di Leone

A teoria e a prática da tradução literária rendem toda espécie de discurso. Do mais técnico e direto ao filosoficamente impenetrável. A atividade de transpor textos sofisticados, que muitas vezes não podem nem mesmo ter uma leitura definitiva em sua língua original, parece ser uma fonte infinita de fascínio e, muitas vezes, de mistificação.

Diante desse quadro, é um refresco considerável a leitura do precioso ensaio "Viver e Traduzir", da argentina Laura Wittner, uma das convidadas da Flip, que participa da mesa desta sexta-feira (24), às 19h.

mulher de cabelo preto e grisalho sorri em foto preto e branco com mão direita erguida atrás do pescoço
A poeta e ensaísta argentina Laura Wittner, que está na Flip 2023 - Divulgação

Ali, uma tradutora experiente, e dedicada acima de tudo à tradução de poesia (arte ainda mais imponderável) consegue trafegar na linha estreita entre o detalhe pragmático (a dor nos pulsos, o enfado com preposições), a discussão poética e profunda do mistério e do encanto daquela atividade e, como deixa claro seu título, o passo emparelhado da rotina de autores, tradutores e leitores. Vida, morte, afazeres, os filhos, as discussões entre amigos e colegas.

O livro não pretende —e que bom que não pretende— ser uma discussão articulada e "vetorializada", mas se oferece como uma conversa que se permite passear entre autores, citações, reflexões e pausas. Um tecido todo bordado com a palavra dos outros, como toda tradução, e como nós, toda vez que abrimos a boca.

É uma janela valiosíssima para quem quiser espiar o mundo de uma tradutora literária, ou para quem puder se reconhecer como seu colega, seu irmão.

Felicidade ainda maior é ver o lançamento de "Tradução da Estrada", volume de poesia da autora.

É apenas no último poema do livro que a tradução de fato comparece diretamente como "metáfora", ou talvez recurso ótico, retórico, estético. Mas o fato é que a leitura das duas obras em paralelo não pode deixar de mostrar o quanto a atividade de tradutora literária parece ter despertado em Wittner uma poética da atenção ao detalhe, do fascínio pelo comezinho e do destaque à articulação entre o "pequeno" e o "grande" (e da importância de se aspear esses dois termos). Ou terá sido o contrário?

São poemas sobre pontes e estradas, mas também sobre legumes. São artefatos poéticos muito bem realizados, dedicados às grandes questões, mas também à revolucionária ideia de não deixar "pedra sobre pedra/ na busca do perfeito amor doméstico", porque (um outro verso inesquecível) "é noite de domingo e tudo frita".

São ainda poemas que refletem o repertório da autora/tradutora, como na linda sequência em que um poema cita alguém chamado Williams e se vê seguido de outro, que empresta um verso do poema mais famoso de William Carlos Williams —não por acaso, um poema que sublinha a importância de um "carrinho de mão" para a compreensão da vida (daquelas "grandes questões").

Laura Wittner, poeta, se serve do trabalho e da prática da tradutora e da ensaísta. Mas Laura Wittner, ensaísta, também não deixa de ser poeta, na articulação de fatos e de dados inesperados, e na perfeita construção da investigação literária como texto criativo.

Há, por exemplo, um minipoema perfeito dentro de "Viver e Traduzir", quando, ao descrever como uma palavra perdida aparece para a mãe que ouve o som da tesoura da filha pequena, a narrativa sintetiza a união entre todos os projetos da autora, e ilumina, mais uma vez, a singularidade e a perfeição que nos cercam, mesmo sem chamar atenção.

Como bônus, Maria Cecilia Brandi e Paloma Vidal, em "Viver e Traduzir", e Estela Rosa e Luciana Di Leone, em "Tradução da Estrada", apresentam versões impecáveis (ou "pecáveis", como quer Wittner), realmente deliciosas dos dois livros. Ainda mais porque, no primeiro caso, elas decidem acrescentar em notas seu "diálogo" com as questões apresentadas pela autora.

Um belo par de lançamentos. Uma belíssima escritora. 

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