Descrição de chapéu
Livros

Livro revela importância do Taib para o Bom Retiro e o teatro nacional

'Taib: Uma História do Teatro' mostra como comunidade de judeus imigrantes combateu a censura da ditadura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Diante de um novo ciclo de barbárie, desumanização e horror em torno do conflito envolvendo Israel e o Hamas, o livro recém-lançado sobre a história do Teatro de Arte Israelita Brasileiro, o Taib —"Taib: Uma História do Teatro"—, ajuda a ver uma tradição judaica bem diferente daquela que sustenta as posições políticas israelenses atuais.

A iniciativa da Casa do Povo faz parte dos esforços de memória e reconstrução do importante teatro erguido em 1960. Um conjunto de fotos de Nelson Kon abre o livro mostrando o estado atual do que outrora foi o Taib —palco deteriorado, paredes descascando, colunas corroídas, poltronas no chão. Em seguida, uma série de textos e depoimentos buscam decifrar as memórias dos escombros.

Documento/foto de acervo que integra o livro 'Taib: Uma História do Teatro' - Divulgação

Fica evidente que não se trata de um teatro qualquer. A construção do Taib foi alavancada por uma comunidade de judeus migrantes antifascistas, interessados numa cultura judaica secular, alinhados a causas progressistas e que estabeleceram intensa vida cultural no bairro paulistano do Bom Retiro dos anos 1940 aos 1960.

Espetáculos teatrais, coros, celebrações da resistência ao nazismo compunham uma programação que servia como ponto de encontro e fortalecimento dos laços de identidade. A comunidade judaica da capital paulista contabilizava cerca de 40 mil pessoas nos anos 1950 e 1960, boa parte formada de sobreviventes do Holocausto e migrantes europeus do pós-Guerra.

Roney Cytrynowicz, organizador do livro, escreve que a fundação do teatro foi "o coroamento da notável efervescência do teatro ídiche" no Brasil. "Entre 1913 e 1970, 549 peças de teatro em ídiche foram encenadas só em São Paulo."

O ídiche, além da língua falada pelos judeus da Europa central e oriental desde o século 13, se tornou também uma identidade e uma cultura na qual o teatro ocupou papel central. Tanto a Casa do Povo como o Taib são decorrentes daquela cultura judaica mais à esquerda, que, ao mesmo tempo que assinala uma identidade marcante de judeus da Europa marcados pelo genocídio e pela resistência ao nazismo, quis ser também uma ponte de conexão e integração com outras culturas.

Com o tempo, esta comunidade de judeus sobreviventes —que tinha na língua ídiche uma marca forte de identidade— foi se dispersando. Ainda assim, algo dessa cultura permaneceu viva na Casa do Povo e nos alicerces do Taib nas décadas seguintes, como mostram os estudos das pesquisadoras Maria Lívia Nobre Goes e Nina Nussenzweig Hotimsky para o livro.

Em 1965, por exemplo, pouco após o golpe de 1964, o Taib seria o local de estreia de "Os Sinceros", uma peça abertamente crítica à guinada autoritária no país. O autor era César Vieira, nome artístico do advogado Idibal Pivetta, que fundaria o Teatro Popular União e Olho Vivo, um dos grupos mais importantes da história do teatro brasileiro recente. O espetáculo foi censurado pela ditadura.

Em 1976, após um período de inatividade, o Taib abrigou a estreia de "Ponto de Partida" de Gianfrancesco Guarnieri. É uma parábola com referência ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog no DOI-Codi em São Paulo, em 1975.

Em plena ditadura, o Taib mostrava sua vocação de resistência, num período no qual a crítica aberta ao regime autoritário apenas começava a se reorganizar. Apesar da pressão das autoridades e das ameaças de bomba no teatro, a montagem foi adiante e fez do espaço um dos locais de retomada da cena teatral crítica e politizada no final dos anos 1970 e início dos 1980. São vários casos semelhantes narrados no livro, que organiza a história com clareza e rigor documental.

Mesmo que o palco hoje esteja destruído e que seu tempo áureo tenha virado só lembrança, o livro mostra como os escombros do Taib se mantêm como teatro fantasmagórico, que se recusa a desaparecer.

No século 21, algumas importantes montagens do teatro contemporâneo aconteceram ali, como "Bom Retiro 958 metros", em 2012, que percorria as ruas do bairro e terminava no prédio da Casa do Povo e nas fundações do Taib.

O italiano Ruggero Jacobbi escreveu certa vez sobre o seu interesse pelo passado teatral do Brasil. "Não se trata de dar vida a coisas mortas, mas de ver se ainda estão vivas." Essa parece ter sido a atitude reflexiva que moveu a escrita deste livro sobre o Taib.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.