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Mesa da Casa Folha na Flip discute ética na crítica de cinema e no fotojornalismo

Fotógrafa Gabriela Biló celebra democratização da imagem com celulares e Inácio Araujo afirma que streaming é "um horror"

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Paraty

A fotografia como um ato político e a ética no fotojornalismo e na crítica de cinema pautaram e mesa de abertura da Casa Folha na Flip, que uniu a fotojornalista Gabriela Biló e o crítico de cinema Inácio Araujo nesta quinta-feira (23).

Para Biló, que cobriu o que chama de ascensão da extrema direita desde as manifestações de 2013 até os ataques contra o Congresso em 8 de janeiro de 2023, é inescapável que a fotografia seja "um ato político".

Da esquerda para a direita, Gabriela Biló, Naief Haddad e Inácio Araújo na Casa Folha - Zanone Fraissat -23.nov.23/Folhapress

"Antes, achava que o papel da fotografia era dar voz a quem não tinha; mas vi que isso é uma arrogância, as pessoas têm suas próprias vozes, minha missão é criar um espaço para essas pessoas falarem, tentar informá-las para que possam tomar decisões que vão atingi-las."

Biló é fotojornalista da Folha e coautora do livro "A Verdade vos Libertará", que reúne fotografias feitas por ela e organizadas em parceria com o designer Pedro Inoue e com Cristiano Botafogo e Pedro Daltro, apresentadores do podcast "Medo e Delírio em Brasília".

Indagado se considera sua escrita um ato político, Inácio foi menos contundente. "Eu estava ouvindo a Biló falar e pensei que, em determinada idade, a gente tem muitas certezas, aí quando envelhecemos, temos só dúvidas", disse Inácio, tema do livro "Inácio Araujo: Olhos Livres para Ver", editado pelo Sesc com a Associação Brasileira de Críticos de Cinema.

O livro, organizado pelo crítico Sérgio Alpendre e pela jornalista e professora Laura Cánepa, inclui uma longa entrevista com o crítico, uma seleção de textos e análises sobre seu estilo.

"Quando escrevo, tento ser o mais honesto possível e transmitir como eu observo o mundo, acho que mais à esquerda, embora não tanto como já fui no passado. Acho que a política entra em tudo, nos invade e nos atravessa, mas a crítica de cinema muitas vezes é perecível, então só espero que a minha sobreviva por alguns anos. Só isso", disse Inácio, na mesa mediada pelo jornalista da Folha Naief Haddad.

Haddad indagou a Inácio quais são as regras que o guiam na hora de escrever uma crítica e como lida com o ódio gerado por textos negativos sobre filmes. "Não posso gostar de tudo, mas minha opinião não é absoluta, é só uma e pode não ser a melhor."

O crítico citou o filme "Showgirls" que, segundo ele, foi detestado e teve a protagonista chamada de pior atriz do mundo. "Aparentemente, só eu gostei desse filme", afirmou, referindo-se ao longa de 1995 dirigido por Paul Verhoeven e estrelado por Elizabeth Berkley.

"Há pouco tempo, a Cahiers du Cinéma [respeitada revista francesa sobre cinema] elogiou esse filme. É isso, nós só temos a nosso favor nossa honestidade, se não gosto de um filme, não posso dizer que gosto", afirmou Inácio, que chegou a trabalhar como montador de cinema, roteirista e diretor assistente nos anos 1970 e 1980.

"E eu nunca falo da pessoa, não digo que fulano é picareta, digo que o filme é ruim."

Ao discutir para quem fotografa e qual público imagina, Biló foi taxativa. "Fotografo para mim mesma, para encontrar a verdade dentro de mim, inspirada exatamente pelo que olhei", disse a fotojornalista, que iniciou sua carreira em 2012 na Futura Press e já venceu o Prêmio Imprensa.

Ela questiona até que ponto vai a objetividade jornalística. "É mentira dizer que fotografia e jornalismo não têm viés ou lado, nós estamos no lado da democracia", disse. "Eu sigo minha ética, e normalmente o resultado condiz com o que eu acredito, Quando o resultado não condiz com o que eu acredito, eu não compartilho."

Qual é a sua ética?

"Minha ética está ligada a como me comporto quando uma coisa acontece na minha frente, não tem manual para isso, é muito humano. E é um exercício constante de não deixar meu ego tomar conta do meu trabalho e manter respeito pelo que eu estou fotografando", disse.

Inácio se mostrou mais reticente em relação às mudanças tecnológicas e o impacto da multiplicação de canais do YouTube e contas no Instagram e TikTok com críticas de cinema.

"Não acompanho blogs, não sei dizer se são bons ou ruins, mas tem algumas revistas que são muito boas. O problema é que tem muita concorrência [entre eles], é preciso chamar a atenção. Outro dia, um crítico se vestiu de vaqueiro para falar de um filme de faroeste. É deprimente, mas é o mundo como ele se apresenta."

Inácio celebrou a democratização do cinema com a tecnologia, ao permitir que pessoas façam filmes de baixíssimo orçamento com seus celulares. Mas lamentou a hegemonia do streaming e a redução na frequência nas salas de cinema. "Acho um horror streaming, a perda em relação à sala é brutal", disse.

Ele também critica a seleção do streaming. "Vejo muita pobreza e muitas coisas boas na Netflix, mas é o mundo do indiferenciado, pode ser uma obra prima ou um abacaxi, tanto faz, porque não tem como hierarquizar."

Já Biló celebrou a democratização da fotografia através da tecnologia. "A rede social e a câmera de celular são uma revolução. As pessoas têm que ser suas próprias vozes, não cabe a mim, fotógrafa branca, de São Paulo, contar o que acontece na periferia com uma menina preta lésbica."

Biló deu como exemplo da interpretação política uma foto sua que recebeu a menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog, em que o então presidente Jair Bolsonaro aparecia fazendo uma careta, prestes a espirrar. "Quando vi essa foto, achei, num primeiro momento, que ela era muito degradante demais e o jornal não a publicaria. Mas o jornal publicou e pude me inscrever no Herzog."

"Não peguei o cara coçando o nariz gratuitamente, havia um contexto da pandemia [da negação do uso de máscaras por parte da equipe de Bolsonaro]".

Também mencionou a foto que flagrou uma manifestante bolsonarista pichando com batom a estátua "A Justiça", em frente ao Supremo Tribunal federal, nos ataques do 8 de janeiro. Ela só percebeu que tinha flagrado o momento exato quando foi rever suas fotos tiradas durante os ataques.

"Mas não sei até que ponto eu me sinto confortável por uma prisão ter sido feita por causa de uma foto minha que denunciou a pessoa, independentemente de a pessoa ser golpista."

A fotojornalista foi indagada por uma pessoa na plateia sobre a foto que ela fez de Lula que gerou ataques do governo petista em janeiro. Na imagem, de 18 de janeiro, Lula aparece atrás de uma vidraça trincada, sorrindo enquanto ajeita a gravata. A fotografia em dupla exposição foi publicada na primeira página da edição impressa da Folha. Biló sofreu ameaças e xingamentos online e a Secretaria de Comunicação do governo federal emitiu uma nota atacando a jornalista.

"[A dupla exposição] é uma técnica muito antiga no fotojornalismo, uma foto em cima da foto; a [fotógrafa] Claudia Andujar fez isso ao documentar os ianomamis", disse.

Ela acrescentou que não tinha controle sobre a reação à foto. "Algumas pessoas disseram que viam um presidente morto; para mim, como amante da semiótica, é difícil falar em presidente morto porque a gente não sofreu um golpe. Para mim é o contrário, ele está sorrindo e ajeitando a gravata, é uma foto de resistência. Ele não é o Lula nessa foto, é a democracia."

Para ela, "falta educação visual e de imagem" às pessoas.

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