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Livro sobre Inácio Araujo, crítico da Folha, esmiúça sua contribuição para o cinema

Volume traz longa entrevista, textos polêmicos e artigos que analisam suas facetas como montador, roteirista e escritor

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O crítico de cinema Inácio Araujo, à dir., e o cineasta Carlos Reichenbach, à esq., na montagem de 'Lilian M: Confissões Amorosas (Relatório Confidencial)', de 1975

O crítico de cinema Inácio Araujo, à dir., e o cineasta Carlos Reichenbach, à esq., na montagem de 'Lilian M: Confissões Amorosas (Relatório Confidencial)', de 1975 Acervo Jota Filmes/Carlos Reichenbach

São Paulo

"Falar é fácil, fazer é difícil". O ditado é popular, mas para o crítico de cinema Inácio Araujo a frase tem dono. Quando saiu da boca do cineasta-caminhoneiro Ozualdo Candeias, em 1970, o diretor rodava um "Hamlet" caipira. Inácio sugeriu algo ao cineasta —não recorda o quê, mas lembra da reposta.

Lá nasceu "A Herança", onde ele, então com 22 anos, teve seu primeiro crédito no cinema, como assistente de direção —alcunha generosa para quem apenas se considerava um observador privilegiado.

Hoje, aos 75, é Inácio quem surpreende leitores com textos sobre cinema que parecem fluir entre digressões de quem já viu muitas imagens e registra suas impressões sobre elas na Folha desde 1983. "O esforço crítico vem de tentar interpretar o que um filme nos mostra. E isso nem sempre está imediatamente na imagem", diz o crítico.

O crítico de cinema Inácio Araújo - Alessandro Shinoda/Folhapress

É esse trabalho que o livro "Inácio Araujo: Olhos Livres para Ver" contempla. A obra, editada pelo Sesc com a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), será lançada nesta quinta-feira (26), na Cinemateca Brasileira, às 15h, como parte da seção Encontro de Ideias, da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Organizado pelo crítico Sérgio Alpendre e pela jornalista e professora Laura Cánepa, o volume inclui uma longa entrevista com o crítico, uma seleção de textos —inclusive inéditos— e análises sobre seu estilo direto e sua influência como mestre para novas gerações.

Sua trajetória foi costurada por acasos. Da paixão pela literatura herdada da mãe machadiana e do pai rosiano, se aproximou do jornalismo, que o encaminhou para o cinema, sobretudo no trabalho em montagem, ao longo dos anos 1970.

Para Alpendre, o montador é o primeiro crítico de uma obra. "Ele é capaz de olhar uma cena linda e reconhecer que ela não faz parte do filme", afirma. "Na escrita, é a mesma coisa. Esta é a grande lição do Inácio —saber limpar o texto e chegar à síntese."

No prefácio, o cineasta Ugo Giorgetti resume —a crítica parece simples, até que "de repente, uma curta frase irrompe, e leva você a ler de novo". Percebe-se que tudo "se teceu em torno dessa frase apenas como disfarce".

Na segunda metade dos anos 1970, Inácio viveu a efervescência do pensamento cinematográfico. Por três anos e meio em Paris, conciliou a cinefilia com aulas na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, bebendo de nomes como Jean Douchet, da Cahiers du Cinéma —revista de onde saíram grandes mentes da nouvelle vague.

De Douchet, ao apresentar uma tese sobre o diretor Howard Hawks —autor de seu filme favorito, "Onde Começa o Inferno"—, ouviu que "a semiologia não deu certo em cinema." "Aquilo me tirou 200 quilos das costas", lembra Inácio.

O livro contempla ainda seu currículo variado como escritor de poesia e prosa —ele publicou o premiado romance "Casa de Bonecas" e contos—, além de roteirista de filmes como "Amor, Palavra Prostituta" e "Filme Demência", duas das obras-primas de Carlos Reichenbach —o Carlão, seu grande amigo, morto em 2012, que recomendava ver o cinema "com olhos livres".

Livre de amarras teóricas e experiente no fazer cinema, seus textos buscam as ideias iluminadas durante a projeção em vez de ambicionar análises estruturais ou técnicas. "Falar difícil não é falar a verdade", diz o autor, citando uma amiga.

De outro longevo parceiro, o crítico Jairo Ferreira, morto em 2003, Inácio carrega outra máxima, a da impaciência —"já perdi meu dinheiro, não vou perder meu tempo", dizia o amigo, quando detestava os primeiros minutos de uma sessão.

"Qualquer crítico precisa herdar isso do Inácio —a honestidade total", diz Alpendre, que ministra oficinas de crítica com Inácio há mais de dez anos. "Só escreva o que você sentiu ao ver o filme."

Essa autonomia se conjugou aos espaços que preencheu na Folha e ao tempo veloz do jornalismo. No início dos anos 1980, Inácio considerava que a escrita "era uma continuação da conversa que tinha com os amigos do cinema". Depois, com o crescimento do público do jornal, faria por anos colunas diárias e curtíssimas de filmes exibidos na TV, muitos já parte do seu repertório.

"A síntese dele vem não só do resumo, mas da escolha", diz Cánepa, que foi aluna de Inácio em seu curso de história do cinema. Como nos textos, as aulas podem girar em torno de cenas específicas de clássicos que gravou em fitas quando eram exibidos na TV. "É uma obra muito coerente. Ele não tem medo de assumir gostos e preferências e justifica sua opinião com clareza. Inácio encarna essa segurança com muito prazer", afirma ela.

Elogios a filmes como "Debi e Lóide" ou textos como "'Showgirls' é 'Robocop' de topless", sobre um controverso filme de Paul Verhoeven, mostram esse lado polemista, enquanto a crítica de um filme complexo como "Imagem e Palavra", de Jean-Luc Godard, questiona o espectador a cada parágrafo e, com clareza, organiza uma tese a partir de uma obra experimental e sem enredo.

Outra pérola da coletânea se esconde nas páginas finais, no curto artigo "Anecy na última cena de ‘Pecado Mortal’". "O quadro é atravessado de lado a lado por uma figura que surge à esquerda e desaparece do outro lado, à direita —uma imagem que se fixa na agonia; olhos enormes, respirantes, enfrentando a agonia, se afirmando no silêncio", diz o texto, de 1970. "Não há neste filme uma história que não se conta. Há uma história que consiste, justamente, em não ser contada."

"Imagino que esse seja o primeiro texto que escrevi sobre cinema, mas que não é exatamente sobre cinema, e sim sobre uma cena apenas", diz o autor, "e sobre [a atriz] Anecy Rocha, cuja presença até hoje me assombra."

Inácio Araujo: Olhos Livres para Ver

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