Acervo de museu municipal está trancado há dez anos em pavilhão no Ibirapuera

Prédio dividido entre Prefeitura de São Paulo e gestora do parque guarda itens das expedições de Mário de Andrade

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Interior do Pavilhão das Culturas Brasileiras, prédio de Oscar Niemeyer no parque Ibirapuera Danilo Verpa - 6.dez.23/Folhapress

São Paulo

Um acervo com cerca de 15 mil itens —entre obras de arte, artefatos e registros da cultura popular brasileira— está trancado no Pavilhão das Culturas Brasileiras, projetado por Oscar Niemeyer, no parque Ibirapuera, em São Paulo, sem previsão de abertura ao público.

A situação se estende há dez anos, devido a atrasos nas obras de restauro do prédio, que é tombado, e às mudanças causadas pela concessão da gestão do parque à iniciativa privada.

Fachada do Pavilhão das Culturas Brasileiras, no parque Ibirapuera - Danilo Verpa - 6.dez.23/Folhapress

A coleção tem relíquias, como registros da missão de pesquisas folclóricas do modernista Mário de Andrade pelo interior do Brasil há 85 anos e obras de artistas dito populares muito valorizadas pelo mercado, como pinturas de Amadeo Lorenzato e esculturas de Antônio Poteiro. Há ainda artefatos indígenas, com peças dos povos karajá e tukano, que ganharam status no circuito artístico nos últimos anos.

Os itens compõem o acervo do antigo Museu do Folclore —desalojado da Oca desde 2000, quando o prédio no parque Ibirapuera foi cedido para exposição dos 500 anos do descobrimento do Brasil— e contemplam também aquisições da Secretaria Municipal de Cultura.

Uma consulta a documentos públicos e profissionais envolvidos na elaboração do projeto museográfico para este acervo mostra que o museu, a ser sediado no Pavilhão das Culturas Brasileiras, não saiu do papel devido à falta de investimentos da administração municipal nos anos anteriores à concessão do Ibirapuera.

Agora, com a gestão do parque cedida para a concessionária Urbia, o museu deve finalmente se materializar, mas com um terço do tamanho previsto no projeto original. Na prática, o que seria um pavilhão inteiro dedicado à diversidade dos povos brasileiros não ocupará nem sequer um andar dos três pavimentos do edifício de Niemeyer.

Isso porque, na concessão da gestão do parque à Urbia, a prefeitura ficou com 4.000 metros quadrados do pavilhão, enquanto a concessionária ficou com os 7.000 metros quadrados restantes.

Marcos Cartum, diretor do órgão da prefeitura que administra o acervo, afirma ter se posicionado contra a divisão do pavilhão. "Isso restringe muito a área do museu", diz, acrescentando que o projeto passou a se chamar Museu das Culturas Brasileiras, e não mais Pavilhão das Culturas Brasileiras.

Outros profissionais envolvidos na concepção do museu, no final dos anos 2000, também dizem se preocupar. Adélia Borges, uma das responsáveis pelo projeto que norteia a instituição, afirma que o espaço expositivo deveria ser de ao menos um andar inteiro, caso contrário praticamente só haverá espaço para a reserva técnica.

Contudo, diante deste cenário, tanto Cartum quanto Borges afirmam que o museu pode funcionar nos 4.000 metros quadrados. "Não é o ideal, mas pode", diz Cartum. "O importante é agilizar para abrir logo uma exposição com as obras do acervo", acrescenta Borges.

Pedro Mendes da Rocha, arquiteto que fez o projeto expográfico original do museu, diz que "o pavilhão é parte do acervo, é cultura brasileira". "Tem uma arquitetura de alto nível, com o nosso maior expoente, Oscar Niemeyer, que está lá no meio do parque", afirma, sobre a localização privilegiada do pavilhão, em frente ao Museu Afro Brasil.

A gestora do parque diz que precisa dos 7.000 metros quadrados a que tem direito para "dar resultado para os acionistas". Segundo Samuel Lloyd, diretor comercial da Urbia, a empresa pretende usar o pavilhão para eventos e não deve atender aos apelos para ampliar o espaço expositivo do museu. No ano passado, por exemplo, o festival de música C6 Fest já fez uma festa no pavilhão.

Lloyd diz não ver problemas na realização de festas a poucos metros de um importante acervo de arte. "De forma alguma. Qual impacto você veria?", ele questiona. "A gente pode ter eventos de música, palestras com sonorização, com auditório e som."

Os eventos, afirma Lloyd, não serão realizados no primeiro pavimento, onde o museu deverá funcionar, e sim no térreo ou no piso inferior. "Nossa preocupação é manter a harmonia com o museu."

Festas do tipo também acontecem em outros museus no Ibirapuera. A Bienal de São Paulo costuma fazer um grande coquetel a cada dois anos, quando abre sua exposição principal, e o Museu de Arte Moderna promove jantares, com ou sem festa, em ocasiões pontuais. Nem a Bienal nem o MAM entraram na concessão do parque, e portanto não são geridos pela Urbia.

De acordo com o diretor da Urbia, o dinheiro a ser arrecadado com a exploração comercial do Pavilhão das Culturas Brasileiras servirá para cobrir parcialmente o investimento de R$ 70 milhões que a empresa teve de fazer ao ganhar a concessão do Ibirapuera, o principal parque da capital paulista, e de outros parques secundários.

Neste ano, o terceiro de administração privada, o Ibirapuera teve lucro de R$ 30 milhões.

A Urbia diz ainda que cogitou implantar um restaurante de comida brasileira no pavilhão, mas desistiu após conversas com a prefeitura, que apontou o perigo de instalar fogões próximos a um acervo de arte.

Lloyd afirma também que uma eventual ampliação do espaço expositivo do museu significaria redefinir as metragens determinadas em contrato, e neste caso o acordo com a prefeitura precisaria ser refeito.

O diretor da Urbia diz reconhecer a relevância da coleção de arte e argumenta que o museu será um atrativo fundamental para trazer mais público para o parque —muitas pessoas, ele afirma, nem sabem que o Pavilhão das Culturas Brasileiras existe.

Em 2015, um contrato firmado entre a prefeitura paulistana e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, afirmava que o museu deveria ser inaugurado até 2019. Para isso, o BNDES investiria R$ 12 milhões nas obras, e o município deveria fornecer o restante do dinheiro, até um teto de R$ 24,6 milhões.

O BNDES investiu pouco menos da metade do valor, e a prefeitura diz que não fez nenhum aporte. O BNDES afirma que, como o espaço dedicado ao museu agora será menor, dada a privatização da gestão do parque, o contrato com a Prefeitura de São Paulo foi refeito e o banco não tem mais a obrigação de liberar o total da verba inicialmente acertada, tendo assim cumprido sua parte no acordo.

Segundo a administração municipal, "o acordo com o BNDES foi formulado e descartado em outra gestão", e as obras agora são de responsabilidade da Urbia, assim como o projeto expositivo do museu.

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