Festival Psica une inovação musical ao Pará tradicional em esquenta nas ruas

Tecnobrega de aparelhagens toma construções coloniais antigas de Belém em sistemas de som de graves potentes

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Belém (PA)

A última sexta-feira (15) chegava ao fim quando Aldo Sena, Mestre Curica e Mestre Solano esmerilhavam suas guitarras num palco em cima do rio na cidade velha de Belém. Três ícones da guitarrada, eles se apresentaram como parte do festival Psica, que acontece esta semana na capital paraense.

Além do palco no rio, o evento fez uma espécie de esquenta com atrações espalhadas no bairro Cidade Velha de Belém, incluindo shows de Mateus Aleluia, uma seleção de DJs e duas aparelhagens na Praça do Relógio. De graça e na rua, o dia de shows antecede a programação regular do Psica, no sábado e domingo, nos estádio Mangueirão, com Jorge Ben Jor e Alcione como headliners.

Paredão de som no qsquenta do Festival Psica em Belém, no Pará
Paredão de som no qsquenta do Festival Psica em Belém, no Pará - Divulgação

Foi uma amostra das intenções do festival, que acontece há mais de dez anos em Belém, mas nos últimos anos cresceu de proporção. O evento se destaca em um cenário saturado de festivais país afora pela curadoria diversa e criativa, que une atrações locais dos mais diferentes estilos a nomes consagrados da música nacional.

Há bandas de hardcore como o Dead Fish, rappers contemporâneos como Don L e FBC, a união MPB de Odair José com Azymuth e DJs bombados no sudeste, como Mu540. Mas mais que unir gente de gêneros diversos, o grande atrativo é a liga dessas atrações com uma seleção representativa da música paraense, incluindo a união de Viviane Batidão e Gaby Amarantos, estrelas do tecnobrega, o retorno da Gang do Eletro e as aparelhagens Tudão Crocodilo e Carabao.

Mas se essa curadoria fica mais evidente nos dias de Mangueirão, a abertura serviu para celebrar o Pará. Para os turistas, que movimentam Belém desde o fim de semana, foi uma amostra da originalidade da cultura local; para os paraenses, a possibilidade de ver ícones de sua música em comunhão com a vida urbana da cidade.

Foi possível ver os graves futuristas das equipes Lendário Rubi e Ouro Negro ecoando pelas construções coloniais da Cidade Velha —parte mais antiga cidade, que data de 1600. Os DJs que comandam as estruturas gigantescas, com paredões de som de dar inveja aos bailes funk de Rio e São Paulo, tocam de clássicos do brega e do tecnobrega a uma seleção de funks, sertanejos e até músicas de pop rock sem muita distinção.

Se os bailes funk de São Paulo e os paredões de pisadinha focam as frequências médias e agudas dos sons eletrônicos, a potência das aparelhagens está ligada aos graves. É uma abordagem que dialoga com os sound systems da Jamaica e uma cultura de equipamento de som que, no Pará, tem mais de seis décadas de desenvolvimento.

Atualmente, as aparelhagens funcionam numa velocidade parecida com a de vídeos curtos no TikTok. Nenhuma música precisa tocar inteira, os DJs ao microfone criam um clima de ansiedade pelo que está por vir, e as viradas de clima geram a sensação de que tudo está sempre começando –e, a partir dali, tudo só vai ficar melhor.

Assim, um tecnobrega acelerado pode dar num brega romântico antigo em questão de segundos. E não vai demorar até que o DJ puxe um funk do Rio, um sucesso de Marília Mendonça ou "Saideira", hit boêmio de sabor latino do Skank.

No começo da madrugada, a poucos quilômetros da praça, onde dezenas de milhares curtiam as aparelhagens, os pescadores expunham baldes de peixe e os apanhadores de açaí carregavam bacias abarrotadas com a fruta. Uma lembrança de que a comida que abastece a cidade vem dos rios, assim como a música que alimenta sua população também reflete o balanço dessas águas.

Foi uma sensação refletida na mão esquerda de Mestre Solano, que tremeu sobre o braço de sua guitarra os acordes de "Melô da Bicharada" –música apresentada por ele como a primeira guitarrada que compôs, no ano de 1960, quando o gênero ainda engatinhava como uma vertente da lambada. Acordes quentes e úmidos como a brisa do rio que aliviou a plateia dançante no palco do Psica.

A música paraense em interação com a arquitetura e a vida nas ruas de Belém fornece parte do entendimento por trás da criatividade única de uma região que produziu tantas expressões originais de música ao longo dos anos. Do carimbó ao tecnobrega, da guitarrada e calypso aos DJs de aparelhagem, o que sai do Pará vem com um selo de autenticidade que ressoa com seu povo em movimento.

O Psica ainda tem ingressos à venda para os dois dias no Mangueirão.

O jornalista viajou a convite da produção do evento

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