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Estados Unidos

Filme com Julia Roberts se inspira em Hitchcock e é salvo pelo elenco

'O Mundo Depois de Nós', filme de Sam Esmail, é um supense apocalíptico com reflexões sobre racismo e crise climática

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São Paulo

O Mundo Depois de Nós

  • Quando Disponível na Netflix a partir desta sexta (8)
  • Elenco Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha'la, Farrah Mackenzie e Charlie Evans
  • Produção EUA, 2023
  • Direção Sam Esmail

Uma pesquisa divulgada há algumas semanas constatou o óbvio: brasileiros têm mais medo de ter o celular roubado que a carteira. Pudera: a carteira é onde vão os cartões, documentos, talvez algum dinheiro vivo esquecido. Mas o celular é onde estão todas as respostas da vida, o universo e tudo mais.

Imagine então encontrar-se na mesma situação que Amanda (Julia Roberts) e Clay Sanderson (Ethan Hawke): um casal do Brooklyn com filhos adolescentes e uma vida confortável, mas imperfeita, que aluga uma mansão por alguns dias de férias. A casa é impecável, mas coisas estranhas começam a acontecer, como a visita de bandos de cervos no jardim, ou um navio petroleiro que aporta diretamente na areia da praia. Esse é o cenário criado em 'O Mundo Depois de Nós'.

Ethan Hawke e Julia Roberts em cena de 'O Mundo Depois de Nós'
Ethan Hawke e Julia Roberts em cena de 'O Mundo Depois de Nós' - JoJo Whilden/Divulgação

É quando aparecem à porta G.H. Scott (Mahershala Ali) e sua filha, Ruth (Myha’la), no meio da noite, dizendo ser os donos da casa. Sem acesso à internet, que caiu há algumas horas, é impossível checar se ele é quem diz ser e se fala a verdade sobre um apagão que atingiu Nova York e os fez rumar a Long Island, mesmo sabendo que tinham hóspedes.

Sem internet, aliás, é impossível descobrir porque se está sem internet e sem televisão. E é impossível buscar um jornal impresso, porque sem navegação, como saber aonde ir?

O diretor Sam Esmail, que também adaptou o best-seller de Rumaan Alam para as telas, não é tímido na hora de estabelecer que algo está fora do eixo, usando uma trilha sonora quase onipresente —com violinos insistentes— e movimentos de câmera emprestados de Alfred Hitchcock.

As informações sobre os acontecimentos no mundo lá fora chegam a conta-gotas, em parte pelo isolamento dos personagens, em parte para dar legitimidade à desconfiança de Amanda, que rapidamente toma a forma de um racismo muito pouco velado.

O forte elenco é o que salva o filme de se afogar nos arroubos estilísticos de Esmail —principalmente Julia Roberts, que traz à tona em Amanda seus aspectos mais espinhosos, uma "Karen" (gíria para um certo tipo de mulher branca afluente que espera que o mundo esteja a seu serviço) pega no meio de um apocalipse sem poder chamar o gerente.

O duplo ganhador do Oscar Ali, por sua vez, veste confortavelmente o papel de um homem negro que aprendeu a navegar um mundo de Amandas, guardando para si o que sabe enquanto tenta projetar uma imagem aberta e inofensiva.

No entanto, a obsessão da filha mais nova, Rose (Farrah Mackenzie, que parece uma pintura de Margaret Keane), por "Friends", uma série que já teve a participação de Julia Roberts, levanta mais dúvidas do que o filme está disposto a responder.

O roteiro vai bem ao criar o clima de confusão e incerteza que um blecaute de informações pode causar —o trecho com veículos elétricos autopilotados da empresa de um certo biliardário em chamas é especialmente bem sacado.

Os melhores diálogos também pareçam ter sido levantados diretamente do livro, em especial um par de cenas na reta final que apresentam de maneira explícita o esqueleto narrativo e o olhar dos autores para a humanidade.

É uma visão bem americana do mundo, equilibrada num eterno fio de navalha entre a confiança cega numa superioridade absoluta e uma paranoia alimentada por inimigos reais e imaginários. É o pesadelo de descobrir que sua fortaleza é, na verdade, um castelo de cartas, ou que não se é invulnerável às próprias armas, e continuar acreditando que tudo vai dar certo simplesmente porque não pode dar errado.

Não deixa de ser curioso, portanto, que na realidade do filme os nomes de Barack e Michelle Obama no início dos créditos —o casal produziu o longa por meio de sua companhia, Higher Ground— guardaria mensagens dignas das próprias teorias da conspiração.

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