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Moda em 2023 foi leve e sensual, mas massacrada por microtendências bem bregas

Sapatilhas e camisas ganharam vida com repaginações, vestidas por modelos magérrimas em designs todos criados por homens

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Peça da marca brasileira de moda Handred, que se baseia na tendência 'quiet luxury' Divulgação

São Paulo

Depois de um ano passado marcado pelo peso de uma nova guerra na Europa, evento que respingou para as passarelas e para a moda de rua, leveza e sensualidade voltaram a imperar neste ano.

Foi o ano da volta triunfal das delicadíssimas sapatilhas inspiradas no universo da dança, por exemplo, que deram as caras nos desfiles de Tory Burch, Paul Anderson e Phillip Lim na semana de moda de verão em Nova York.

Look de Renata Buzzo, marca que desfila na São Paulo Fashion Week
Look de Renata Buzzo, marca que desfilou na São Paulo Fashion Week - Diro Blasco

O calçado, uma ode à juventude transgressora, é um aceno ao conforto e apareceu em todos os acabamentos possíveis. Envernizadas, metalizadas, incrustadas de pedras, em trama transparente.

A transparência, aliás, foi outro forte deste ano. Nas passarelas, apareceu em delicados vestidos —e até ternos— que faziam jogos de esconde-esconde com flores, navalhas, luzes e até borboletas vivas. Nas ruas, por outro lado, teve uma veia sensual e ganhou os corpos com vestidos e looks que emulam o efeito nude, seja com tramas finíssimas adornadas de brilhante ou com tecidos à la tule.

Mas a extravagância veio depois de um período considerável regido pelo que se convencionou chamar de quiet luxury, algo como luxo contido. A ideia de que a verdadeira riqueza passa longe de bolsas cravejadas de logomarcas e de visuais chamativos e aposta em qualidade de corte e tecido, mas com peças básicas.

A tendência foi impulsionada pela série "Succession", que terminou no final de maio, na qual ricaços competiam pela herança —e amor— do patriarca em roupas e acessórios milionários, mas discretíssimos.

São camisas de seda, suéteres de caxemira, saltos altos de couro discreto, terninhos bem cortados, maquiagens controladas e joias pontuais. Tudo caro e de qualidade perceptível. Nada de cores berrantes —os tons adotados são sempre sóbrios, na linha de beges, marrons, azuis escuros e pretos.

Nas semanas de moda de outubro, a tendência continuou com as camisas, subvertidas em cortes diferentes, golas e mangas em tamanhos inovadores e tecidos diferentes.

Dries van Noten as desconstruiu e deixou visíveis sob transparências de saias, Stella McCartney adicionou capas no lugar de mangas, Tom Ford as apresentou abotoadas, Balmain alongou e maximizou as mangas e punhos e a Coperni ampliou as golas, com decotes profundos. Nada era básico.

Mas, se as peças clássicas foram para o lado subversivo, a estrutura que rege a moda permaneceu a mesma de sempre. Enquanto empresas procuram diversificar gênero e etnia de suas equipes e lideranças, a linha de sucessão criativa de grandes grifes como Gucci, Tom Ford e Alexander McQueen caiu nas mãos de homens brancos.

Para coroar o problema, um relatório da Vogue Business mostrou que, nas semanas de moda de verão de 2023, o número de modelos plus size nas passarelas continuou abaixo de 1% e das modelos mid size 3,9%. Ou seja, mais de 95% das mulheres que desfilaram nas principais fashion weeks do hemisfério norte usam manequins abaixo de 40.

A distribuição desse percentual também é desigual e recai sobre as marcas pequenas, que aderem bem mais a corpos reais, carregar os números que vemos hoje.

A realidade, porém, é que as passarelas podem não ser mais o reflexo máximo da referência do que é cool hoje, já que a moda é muito ditada por microtendências de TikTok e por influenciadores, que costumam ter públicos de nicho ou aderir a peças chocantes muito específicas.

Um desses casos foi o microshorts, onda puxada pela Miu Miu há algumas temporadas e elevada à máxima potência neste ano nas pernas de nomes como Kendall Jenner e Emma Corrin, além de brasileiras como a ex-BBB Boca Rosa, que usou o modelo para ver o desfile da grife em Paris.

A ideia é juntar um short minúsculo, do tamanho de uma calcinha, simples ou adornado com lantejoulas, miçangas, bordados, com uma meia-calça e sair por aí, chocando.

Uma peça chocante —nem sempre de bom gosto— foi outro ponto que marcou 2023. Foi o ano das chamadas "big red boots" da MSCHF, calçados gigantescos que parecem saídos de um videogame, e da saia jeans longa —fora do contexto da moda evangélica brasileira.

Por aqui, as duas edições da principal semana de moda da América Latina, a São Paulo Fashion Week, foram marcadas por estreias de marcas em busca de holofotes e pela ausência de outras grifes tradicionais no evento.

Nomes como João Maraschin, com vestuário de técnicas manuais como o crochê e o bordado, Mateus Cardoso, que trabalha uma alfaiataria moderna, Artemisi, etiqueta vestida por celebridades como Ludmilla e Luisa Sonza, Sau, de moda praia feminina, foram muito elogiadas em suas estreias.

Enquanto isso, a SPFW viu algumas etiquetas, que atingiram o estrelato com a ajuda das suas passarelas, virarem as costas para elas, como é o caso da super-hype Misci, que mostrou a nova coleção num desfile independente.

A partir das temáticas "ressignificar" e "origens", a busca ancestral norteou boa parte dos desfiles do ano. Um dos destaques desse conceito foi o desfile da queridinha da primeira-dama Janja, Helô Rocha. Após seis anos de hiato em sua grife homônima, a estilista escolheu o Teatro Oficina para homenagear o dramaturgo Zé Celso —morto em julho— e apresentar uma coleção que exalta as raízes nordestinas no desfile da N56, em novembro.

A volta às origens também era visível quando o assunto era sustentabilidade. As passarelas da SPFW mostraram que saídas que evitam o desperdício e reduzem os danos ao meio ambiente estão cada vez mais presentes na essência da moda nacional. Dos veteranos aos estreantes da semana de moda, a consciência socioambiental se firmou como tendência.

O resultado dessa busca foi o uso de materiais ecológicos, como algodão orgânico ou fibras derivadas de frutas brasileiras, além do reaproveitamento de tecidos de coleções antigas. Foi dessa ideia que surgiu a coleção do Heloisa Faria Ateliê.

Seu processo criativo partiu da marca Pilar —fundada por Andrea Garcia e que viveu seu auge nos anos 2000 e 2010— que teve seus antigos vestidos diluídos para a construção de novas peças. Tecidos fluidos, veludos e algodões acetinados compunham as camadas da alfaiataria assimétrica e da camisaria.

Definitivamente foi o ano da valorização do trabalho artesanal. Macramês, bordados em alto relevo e aplicações de elementos como conchas, búzios, e pedrarias ajudaram a tecer as coleções de grifes como Ateliê Mão de Mãe, Artemisi, Patrícia Viera e Santa Resistência.

Na versão abrasileirada da transparência sem pudor, a tendência se apresentava ora em texturas vazadas, como crochê e renda, ora em camisas e calças, reinventadas com tecidos leves e translúcidos. Esse tipo de construção apareceu em desfiles como os de João Pimenta, Lino Villaventura e Heloisa Faria.

Já a marca baiana Dendezeiro trouxe também outra tendência da temporada, as cores vibrantes. Além do azul, também presente na Apartamento 03, o vermelho —que apareceu em João Pimenta, Handred e Weider Silveiro— e o dourado —presente em João Pimenta e Lino Villaventura— serão as cores da estação.

Se por um lado a passarela da SPFW fez propostas disruptivas, por outro, pecou ao não mostrar avanços em movimentos importantes, como o da igualdade de gênero. A programação foi majoritariamente composta por grifes lideradas por estilistas homens.

E ainda que exista um inegável avanço na quebra de padrões estéticos no que diz respeito à pluralidade de etnia dos modelos, ainda assim, há uma lacuna enorme a ser preenchida em relação à diversidade de corpos. Eram poucas as pessoas gordas que cruzaram a passarela desta edição.

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