Como 'Os Rejeitados' mexeu com Paul Giamatti e deu ao ator um Globo de Ouro

Filho de professores diz que seu papel premiado de 'ogro do campus' foi um trabalho inconsciente que veio das memórias

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Reggie Ugwu
The New York Times

Paul Giamatti gostaria apenas de deixar claro que talvez ele não precise sempre interpretar uma pessoa tão falante.

homem branco de cavanhaque põe a mão no queixo enquanto é retratado entre vários espelhos que o refletem
O ator Paul Giamatti em Nova York - Sinna Nasseri/The New York Times

Seria bom, apenas para mudar um pouco as coisas, se ele pudesse retratar alguém mais propenso a se expressar de forma não verbal —um criador de cavalos taciturno com um passado angustiado, por exemplo, ou um arrombador de cofres com lesões nas cordas vocais relacionadas a estilhaços.

"Por favor, não me faça falar tanto", diz ele, em um tom baixo, seus olhos tristes implorando ao universo.

Os observadores de Giamatti podem ter dificuldade em imaginar o ator sem palavras. Ele é um dos grandes faladores do cinema, frequentemente citado por seus discursos deslumbrantes.

Pense no insulto profano de Miles ao merlot em "Sideways - Entre Umas e Outras" (2004) ou no Pai Fundador exaltando as virtudes da Independência em "John Adams" (2008) ou no audacioso empresário de boxe Joe Gould em "A Luta pela Esperança" (2005). Giamatti desejar menos falas pode parecer um carro de Fórmula 1 desejando uma rota de ônibus.

Seu papel mais recente, pelo qual ganhou um Globo de Ouro —como Paul Hunham em "Os Rejeitados", um solitário e rabugento professor de uma escola interna encarregado de cuidar de crianças durante as férias de Natal— adiciona uma série de monólogos memoráveis ao repertório do ator

Mas Giamatti também impregna o personagem com um poço profundo de melancolia e ternura mal disfarçada, características que tendem a se revelar em gestos físicos e silenciosos: um enrugamento do queixo, um estreitamento de um olho.

"Há closes em que você pode ver não apenas a transição dele de um pensamento para o próximo, mas todos os pequenos micro-pensamentos que acontecem no meio", diz Alexander Payne, diretor do filme, que se reuniu com Giamatti quase 20 anos após "Sideways". "Você poderia contratá-lo para interpretar o Corcunda de Notre Dame e ele faria um ótimo trabalho."

O verdadeiro Giamatti, como visto durante uma entrevista recente, é de fala mansa, maneiras gentis e contemplativas, com o hábito de olhar para o horizonte quando precisa reunir um pensamento. Se você não acompanhou "Billions", o drama de negócios de Giamatti no Showtime que terminou no outono após sete temporadas, seu cabelo está mais branco do que você pode se lembrar, como se o Papai Noel tivesse um irmão com um diploma em humanidades.

Muito se presume, erroneamente, que Giamatti seja semelhante a seus personagens, o que é ao mesmo tempo um elogio e um incômodo. Payne está convencido de que o ator não recebeu uma indicação ao Oscar por "Sideways" (seus colegas de elenco Thomas Haden Church e Virginia Madsen foram indicados nas categorias coadjuvantes) porque ele fez aquilo parecer fácil demais.

Na vida real, que fique registrado, Giamatti não tem muito interesse em vinho e sabe pouco sobre isso, para desgosto dos fãs que o abordam em restaurantes.

Além de um interesse compartilhado pela arcana do Império Romano, ele tem poucas coisas em comum com seu personagem em "Os Rejeitados" —um professor de antiguidades e ogro do campus com um olho prejudicado e uma condição de pele que o faz cheirar a peixe.

No entanto, Giamatti se viu estranhamente investido no papel. Seus pais eram professores (A. Bartlett Giamatti foi presidente da Universidade de Yale e depois comissário da Major League Baseball), e ele se formou em uma escola semelhante à retratada no filme. Mais do que qualquer outro papel que possa se lembrar, ele se perdeu no personagem, permitindo que suas próprias memórias e experiências colorissem sua atuação.

"Foi mais inconsciente do que o normal, o que foi um pouco alarmante porque eu quase senti às vezes que não estava trabalhando o suficiente, como se estivesse sendo preguiçoso", diz Giamatti. "Mesmo quando assisti, foi estranho. Eu continuei olhando e pensando: 'É isso que eu estava fazendo?'"

Quando ele se prepara para um papel, Giamatti lê e relê o roteiro várias vezes (não é um fã de improvisação), fazendo inferências sobre como o personagem pode se apresentar em 3D. Ele com frequência procura maneiras de se transformar fisicamente, uma tarefa para a qual sua aparência de um cara comum tem se mostrado útil.

"Você pode me vestir como um cozinheiro de lanchonete, ou como um mordomo, ou como o presidente dos Estados Unidos no século 18, e eu meio que pareço que deveria usar aquelas roupas", diz.

Para "Os Rejeitados", em que seu personagem gradualmente forma um vínculo com um aluno brilhante e problemático (interpretado pelo estreante Dominic Sessa) e com a chefe da cantina da escola (Da'Vine Joy Randolph), Giamatti deixou crescer um bigode estilo guidão e usou um casaco com fecho inspirado em um de seu pai.

Mas a pessoa que ele mais se viu canalizando, o homem que ele vê quando assiste ao filme agora, é um professor de biologia de sua própria escola preparatória, Choate Rosemary Hall: um homem sarcástico, "pálido, com penteado para trás" que parecia solitário e cheirava a cinzeiro e martíni.

Como estudante, Giamatti não pensava muito sobre o homem, e os dois quase nunca trocavam palavras. Mas um dia, no final do ano letivo, depois de uma prova em que ele havia se saído atipicamente mal, o professor parou na mesa de Giamatti.

"Ele me devolveu a prova e disse: 'Você costuma ir muito bem nessas, o que aconteceu?'", lembra o ator. "Eu tinha uns 15 anos e apenas dei de ombros: 'Não sei, cara'. Mas o cara ficou ali e olhou nos meus olhos e perguntou: 'Está tudo bem?'"

O garoto, se sentindo desconfortável, disse que sim, e eles nunca mais falaram sobre isso. Mas o fato de que o professor —alguém que ele considerava efetivamente um estranho, ou pior— não apenas o conhecia o suficiente para suspeitar que algo estava errado, mas se importava o suficiente para perguntar, sempre ficou com ele.

"Isso me pegou de surpresa", diz Giamatti. "Ele realmente se importava conosco."

Os Rejeitados

  • Quando Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Paul Giamatti, Dominic Sessa e Da'Vine Joy Randolph
  • Produção Estados Unidos, 2023
  • Direção Alexander Payne
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