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Cadão Volpato mescla fato e ficção ao revisitar tempos de militância na Libelu

Romance 'Abaixo a Vida Dura' se inspira em experiência do escritor na luta contra a ditadura nos anos 1970

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Paraty (RJ)

Por cerca de dez anos, Cadão Volpato flertou com a ideia de escrever um livro sobre uma época que julga crucial em sua vida: seu período como militante político, no fim da década de 1970, como integrante da chamada Libelu, Liberdade e Luta, corrente do movimento estudantil ligada ao trotskismo. Mas faltava achar um mote, um ponto de partida para a história.

Um dia, do nada, Volpato recebeu do amigo e crítico de arte Rodrigo Naves, também membro da Libelu, uma fotografia em preto e branco, tirada provavelmente em 1977, mostrando vários integrantes do grupo e estudantes da USP durante uma manifestação na universidade.

O jornalista Cadão Volpato - Victor Moriyama - 24.abr.13/Folhapress

Nem Naves, que aparecia na imagem, lembrava exatamente as circunstâncias da imagem. "Quando vi aquela foto, tive uma espécie de epifania", diz Volpato à Folha, de Nova York, onde mora com a família há cinco anos. "Era uma foto ruim, não reconheci todos os retratados, mas ela me deu um estalo. Enviei uma mensagem no ato para o Rodrigo: ‘Acho que vou escrever um romance sobre isso’".

Volpato decidiu fazer um livro narrando não a história da Libelu, mas a vida de vários de seus militantes. "Precisava escrever sobre gente de carne e osso. Queria falar de gente, não de uma tendência. Não quis ser jornalístico. Os fatos estavam tão próximos de mim que não poderia contá-los de maneira leviana. Escolhi contar a história do ponto de vista dos personagens." Seis meses depois, ele terminava "Abaixo a Vida Dura", seu 12º livro.

A obra traz ativistas que moram juntos em repúblicas, apaixonam-se uns pelos outros e descobrem uma missão que os une na Libelu, grupo que surgiu na segunda metade dos anos 1970 e durou cerca de dez anos.

"Eu era um garoto tosco e caipira", conta Volpato. "A história da minha militância política, para mim, sempre teve uma coisa mitológica. Como qualquer jovem de 20 anos, eu queria mudar o mundo e, principalmente, combater a ditadura", prossegue, acrescentando que hoje, porém, enxerga "o troskismo sob um ponto de vista mais mitológico, e não concreto".

Volpato, que tem 67 anos e uma celebrada carreira de jornalista, escritor e músico —é cantor da cultuada banda pós-punk Fellini—, conta ter se inspirado também no documentário "Libelu - Abaixo a Ditadura", de Diógenes Muniz, de 2020. "Fiquei muito emocionado com o filme do Diógenes. Ele mostrou que era possível falar daqueles tempos e da Libelu sem ser demasiado sério ou chato."

Muitos dos episódios de "Abaixo a Vida Dura" são verdadeiros. "Era importante ser fiel aos fatos, então pesquisei bastante. Mas a maior parte, escrevi de memória." Assim, o clímax do romance é um acontecimento que, segundo ele, foi o "grande momento de nossa juventude": a invasão da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Em 22 de setembro de 1977, tropas de choque e policiais militares comandadas pelo então Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o coronel Erasmo Dias, invadiram a PUC para interromper um evento do Encontro Nacional de Estudantes (ENE), que buscava refundar a União Nacional dos Estudantes (UNE), então proibida pela ditadura militar.

Os agentes espancaram com cassetetes alunos, professores e funcionários, e dispararam bombas que deixaram várias pessoas com queimaduras graves.

"Consegui a proeza de chegar atrasado à invasão da PUC", ri Volpato. "Mas precisava preencher essa lacuna e me empenhei em uma pesquisa grande, já que a história tem várias narrativas."

O escritor conta ter descoberto que a invasão tinha sido muito mais violenta do que parecia à época, "um desastre". "Durante muito tempo, Erasmo Dias disse que só foram usadas bombas de efeito moral, o que era uma mentira. Várias pessoas relataram chamas de bombas incendiárias refletindo nas palmeiras da PUC-SP."

Entre os militantes da Libelu estavam figuras que se tornariam conhecidas no meio político, como Antônio Palocci e Luis Gushiken, e na mídia, como o sociólogo Demétrio Magnoli. Havia também muitos jornalistas, entre eles Josimar Melo, Matinas Suzuki, Eugênio Bucci, Reinaldo Azevedo, Laura Capriglione, Paulo Moreira Leite e José Arbex Jr..

Embora os personagens do romance sejam ficcionais, determinadas cenas do livro trazem figuras reais. No trecho da invasão da USP, por exemplo, aparecem Josimar e seus irmãos Ricardo e Roberto Melo —figuras por quem Volpato nutria grande admiração—, e o manifestante que anda em direção às tropas é Arbex Jr.

Já Anna, personagem central na história descrita como linda, não é inspirada em Turra, diferentemente do que desconfiam muitas pessoas próximas à Libelu, afirma Volpato. "A Cleusa era, sim, uma musa, mas a Anna não é ela. Posso dizer que todas as meninas da Libelu eram muito bonitas."

Abaixo a Vida Dura

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