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Podcast Má Influência desvenda o charlatanismo das estrelas da internet

Episódios apresentados por Babu Carreira e Maria Bopp analisam, com acidez, as vidas de Pablo Marçal e Lou Pearlman

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São Paulo

O podcast Má Influência surge com tarefas difíceis para enfrentar. A proposta do programa original (o norte-americano Scamfluencers) é contar histórias de figuras de influência e suas tramoias para conseguir fama, fortuna e poder.

A imagem mostra as apresentadoras do podcast Má Influência. À esquerda, Babu Carreira, uma mulher branca de cabelos cacheados e avermelhados. Ela traja uma sai branca e longa, uma camisa azul com detalhes em rosa e uma bota rosa de tom metalizado. Ela está com a mão junto a boca e faz uma expressão como se fosse contar algo. Do lado direito de Babu está Maria Bopp, uma mulher branca, com cabelos castanho escuros. Ela traja uma camiseta preta de gola larga, short prateado e botas pretas de plataforma. Ela também faz uma expressão como se fosse contar algo, com a mão junto a boca.
O contraste entre o sotaque carioca de Babu Carreira e paulistano de Maria Bopp e a interação entre ambas contribui para o tom descontraído de Má Influência - Wondery/Divulgação

Não estamos falando aqui só de influenciadores no sentido mais recente que colou no termo, uma designação para quem ganha projeção e atua nas redes sociais ou em plataformas de vídeo. Essas figuras estarão presentes, mas há também histórias de golpistas de outras eras.

Falar de figuras como essas é desafiador tanto por suas histórias erráticas, cheias de reviravoltas, como por expor gente com grande projeção e popularidade —o que pode atrair uma horda de seguidores pouco dispostos a aceitarem a desmoralização de um ídolo.

Mas Babu Carreira e Maria Bopp não estão preocupadas. Se ataques vierem, é bloquear os comentários. "As pessoas não são à prova de balas", diz Babu.

A comediante carioca e a atriz paulistana são as vozes do programa que a Wondery, estúdio de podcasts da Amazon, agora traz para o Brasil. Com episódios semanais em publicação contínua —ou seja, sem temporadas com número pré-determinado de episódios— a série irá traduzir e localizar histórias do produto original e também terá episódios sobre figuras nacionais.

A produção estreia com três episódios. Os dois primeiros são sobre Lou Pearlman, produtor de boy-bands dos anos 90 como Backstreet Boys e N’Sync e que manteve os rapazes no bolso por anos, pagando-lhes migalhas enquanto enriquecia às suas custas.

O terceiro investe na história de Pablo Marçal palestrante motivacional, influenciador digital e possível candidato à prefeitura de São Paulo neste ano. Também conhecido pela alcunha de coach messiânico, um dos marcos de sua carreira é a expedição que empreendeu sem qualquer preparo profissional ao Pico dos Marins com 60 pessoas —32 delas foram longe o bastante até precisarem ser resgatadas pelo corpo de bombeiros.

O ritmo dos episódios é intenso. O tom descontraído não dispensa o caráter informativo de um produto de formato longo, que reconstrói com minúcia as histórias dos personagens que aborda.

Somos levados à infância religiosa de Pablo Marçal e as peripécias de Lou Pearlman com seu negócio de dirigíveis bem antes de dar o tom do pop dos anos 90. São mergulhos que não investem só no bizarro ou cômico, mas que buscam contar a formação dos sujeitos retratados até que virem os personagens que os tornaram notáveis.

Essa desconstrução de ídolos não tem por objetivo vilanizá-los, diz Bopp. "Eu acho até que a gente humaniza eles. Você coloca uma outra dimensão por trás dessa pessoa que parece chapada nas redes sociais."

Mas as apresentadoras também consideram que o produto presta um papel pedagógico ao promover um senso crítico sobre figuras de influência que muitas vezes são irresponsáveis com o tamanho do poder que têm, diz Bopp. E Babu arremata: "Eu acho importante a gente lembrar com leveza que o influenciador ganha a vida vendendo coisas. Então você precisa prestar um pouquinho mais de atenção em quem é essa pessoa e o que é que está sendo pedido para você consumir.

Dar a um produto estrangeiro e roteirizado uma cara e voz locais é outro desafio. No formato original, também com duas apresentadoras, a cada episódio uma delas assume a posição de narradora, enquanto a outra se torna uma interlocutora. Nessa interação, ambas compartilham impressões e piadas, o que serve também como um respiro para o ouvinte que estiver um pouco perdido se situar no desenrolar frenético dos fatos.

Esse é um recurso presente no produto original e bastante usado em podcasts narrativos. Interagir de modo espontâneo, atendo-se ao roteiro, mas sabendo adicionar um tempero próprio, o que é uma arte difícil de manejar. Afinal, isso depende muito da química entre os apresentadores.

Nesse quesito, Bopp e Babu começam bem, nem parece que é o primeiro trabalho que fazem juntas. Má Influência vai construindo uma identidade própria em relação à matriz norte-americana: as apresentadoras brasileiras interagem mais vezes e dão um tom mais cômico do que se sente em Scamfluencers.

Apesar de não serem as principais redatoras, elas não consideram um problema lidarem com um texto vindo de fora. A experiência como atrizes lhes permite tomar o roteiro e dar a ele uma interpretação própria, com margem para intervenções no texto e improvisações enquanto gravam.

"Eu acho que é pra ter uma sensação de que está ouvindo duas amigas contando uma fofoca uma pra outra sabe?", diz Bopp.

É notável como o produto se esforça em não apenas traduzir o material vindo fora. O texto se atém ao factual da versão original, mas abre espaço para que o modo de contar seja apropriado pelas vozes de Bopp e Babu. Elas não são novatas no mundo dos podcasts e a desenvoltura com que narram deixa isso claro.

Mas o humor que dá essa liga entre a narração e os momentos de interação produz resultados variados. Por vezes as piadas e conversas saem mais soltas e naturais, imprimindo um tom de deboche e espanto aos trambiques contados. Mas há momentos em que o roteiro parece pesar mais, e a piada soa quase que um compromisso com fazer graça ou dar o texto que está roteirizado.

As conversas entre as apresentadoras servem como ponto de respiro não só para o desenrolar de fatos, mas também para um descanso da trilha sonora, que forra praticamente todo o tempo de narração. Não é uma sonorização discreta, nem na presença, nem no volume. Embora contribua com o ritmo animado, por vezes parece concorrer com as vozes.

Soma-se a isso um uso literal de efeitos sonoros, usados para representar algo sendo dito. O recurso é raro, ocorre sobretudo nas descrições de cenas, como as sirenes que tocam quando Bopp conta da vinda dos bombeiros para resgatar a trupe levada por Pablo Marçal para o Pico dos Marins; ou as teclas de telefone sendo discadas quando Babu pergunta se Deus teria atendido o pedido do influenciador para parar o vento na montanha.

Essa necessidade de preencher quase todo o espaço de escuta com trilha ou efeitos, seja para ênfase do que é dito ou para sinalização de humor, acaba saturando o produto em momentos que talvez a narração bastasse. Vale dizer, essas escolhas refletem o formato original, que faz esse mesmo uso excessivo do desenho de som.

Má Influência carrega a força de um formato que se consolidou nos Estados Unidos e se esforça para encontrar um tom local. Metade dos episódios devem ser adaptados de fora, com personagens conhecidos do publico brasileiro; o resto será voltado para figuras brasileiras: gente do mundo fitness, da moda e das finanças, escritores e até quem ganhou fama em aplicativos de namoro deve compor o catálogo de charlatões nacionais.

Se mantiver bom equilíbrio entre as narrativas de fôlego e a descontração deve ganhar os fones de ouvido e as rodas de conversa. Para isso, o fortalecimento da intimidade de Babu e Bopp entre si e com o texto será vital.

Má Influência

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