Salão do Móvel de Milão busca design sustentável com itens de casca de ovo

Mais importante feira do setor também viu expositores revelando suas técnicas para o público presente no evento

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Milão

Apareceu entre as grandes indústrias e nos espaços dedicados aos jovens designers, passando por fabricantes de médio porte com abordagem artesanal. A atenção aos processos de produção esteve presente de forma transversal dentro e fora do Salão do Móvel de Milão, a feira mais importante do setor, encerrada neste fim de semana.

Cadeira Catifa Carta, com assento de folhas de papel kraft derivadas de resíduos de madeira, lançamento da Arper, no Salão do Móvel de Milão
Cadeira Catifa Carta, com assento de folhas de papel kraft derivadas de resíduos de madeira, lançamento da Arper, no Salão do Móvel de Milão - Salva Lopez/Divulgação

Além de introduzir e aplicar materiais e modos de fazer mais sintonizados com a necessidade de reduzir impactos ao ambiente e favorecer a transição energética, com a substituição dos combustíveis fósseis, expositores procuraram revelar suas técnicas, como forma de convencer visitantes de que tal cadeira não era uma cadeira qualquer.

Assim fez a Arper, fabricante italiana, em seu estande no pavilhão mais relevante do Salone, como é chamada a feira em italiano. De longe, parecia mais uma versão da Catifa 53, lançada há mais de 20 anos pelo designer Lievore Altherr Molina. De perto, a instalação com o móvel cercado de plantas, galhos secos e folhas de papel kraft contava o passo a passo de um novo método.

Principal lançamento da marca, a peça, antes fabricada com plástico, agora pode ter seu assento realizado com 29 folhas de papel, derivadas de resíduos de madeira, unidas por resina natural e moldadas com pressão. Se e quando necessário, a cadeira pode virar um carvão vegetal ao ser queimada.

Além da exaltação da forma e de novas funções, iniciativas assim são cada vez mais ostentadas no design. Na última década, as boas intenções eram propagandeadas com a vagueza da palavra sustentabilidade. Hoje, o setor lida com mais familiaridade com termos como bioplástico, biochar e circuito fechado.

"Há três anos, poucas empresas estavam realizando projetos sustentáveis com seriedade. Neste ano, elas estão mais envolvidas. É possível ver essas pesquisas na feira", diz Maria Porro, presidente do Salone.

Entre os 1.900 expositores, ainda é fácil encontrar muitos que alardeiam como novidade sofás de seis lugares sem revelar como exatamente são produzidos. Mas basta uma ida ao Salone Satellite, a área da feira dedicada aos designers com menos de 35 anos, para constatar que a busca por alternativas avança entre a nova geração.

Por ali, a experimentação é feita, por exemplo, pela egípcia Rania Elkalla, que usa cascas de ovos e nozes para criar um material com aparência de mármore que pode substituir o plástico em móveis e acessórios. É algo visto ainda na start-up britânica Seastex, que transforma fios descartados pela indústria de mexilhões comestíveis em fibras têxteis.

Fora da feira, em espaços como a Alcova, que estava instalada em duas casas históricas nos arredores de Milão, o discurso também atrai tanto pequenos estúdios quanto a indústria. A italiana Benetton, fabricante de roupas, trabalha com o designer Davide Balda na pesquisa de meios para reciclar peças. Os itens são moídos e reduzidos a fibras têxteis que viram solo sintético para a produção agrícola ou, na mistura com argila, material de construção.

Presença consolidada no "Fuorisalone", como é chamada a programação paralela à feira, a brasileira Etel apresentou coleção de Patricia Urquiola, um dos grandes nomes do design feito em Milão. São mesas, poltrona e sofá produzidos com materiais de origem natural.

"Tudo começa pelo material", diz Lissa Carmona, à frente da Etel. Ela conta que, quando a coleção foi idealizada, Urquiola indicou que os estofados não poderiam ter espuma, acrílico ou penas. A fabricante encontrou, então, uma lã pura virgem e não tingida, sobra da indústria da moda. Para as mesas, foi usado um plástico feito a partir de cana-de-açúcar misturado com ervas e serragem de madeira colorida com pigmentos naturais.

Na escala industrial, a gigante norueguesa Hydro, que atua também no Brasil, mostrou uma coleção de móveis e objetos desenhada por nomes como a francesa Inga Sempé, feita com uma nova liga de alumínio produzida totalmente de sucata pós-consumo.

O alumínio, aliás, foi a escolha de designers de diferentes linguagens e países. Está nas luminárias do japonês Kotaro Usugami, no Salone Satellite, na coleção de móveis para área externa dos californianos Surfacedesign e na poltrona da grega Kiki Goti, os dois últimos na Alcova. "É o mais macio de todos os metais, é reciclável e, em sua aparência, é ao mesmo tempo bruto e brilhante", afirma Goti.

A dualidade entre bruto e brilhante foi explorada também pelo gaúcho Leo Lague, um dos nomes da mostra Piloto, dedicada ao design brasileiro contemporâneo. Em vez do alumínio, Lague criou móveis robustos com uma mistura de madeira, cimento, massa acrílica e, por fim, folhas de prata aplicadas manualmente.

Outros metais também viraram matéria-prima para quem buscou acrescentar durabilidade a objetos rotineiros. Como a escova de dentes com cabo de aço inox –e a parte das cerdas removível para troca–, criada pelo estúdio suíço Super150. O trabalho foi apresentado na House of Switzerland, endereço com foco na pesquisa de jovens designers.

Entre as marcas de luxo, o destaque foi para a Gucci, que relançou clássicos do design italiano, como o sofá Le Mura, de 1972, de Mario Bellini, e a luminária Parola, de 1980, de Gae Aulenti, todos na cor vinho –o "rosso ancora", parte da nova identidade da grife. O tom, aliás, despontou como tendência, junto com vermelho escuro e o roxo berinjela.

Mas foi a milanesa Prada que fez uma das participações mais elegantes. Pelo terceiro ano, a marca chamou a dupla Formafantasma, uma das mais celebradas atualmente, para organizar em uma casa-museu debates ligados ao design. Aqui, o diferencial não esteve no material, no processo ou na forma, mas na possibilidade de reflexão em meio a centenas de lançamentos.

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