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'Furiosa' é ótimo filme de 'Mad Max' em meio às repetições de Hollywood

George Miller recorre ao cinema mais essencial para entregar espetáculo diferente, mas à altura de 'Estrada da Fúria'

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Furiosa: Uma Saga Mad Max

  • Quando Estreia nesta quinta (23) nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Anya Taylor-Joy, Chris Hemsworth, Tom Burke
  • Produção Austrália, Estados Unidos, 2024
  • Direção George Miller

Nove anos após "Mad Max: Estrada da Fúria", esse "Furiosa" repete o feito do anterior, com um filme de ação capaz de mostrar, numa safra de decadência do blockbuster, a beleza do cinema de espetáculo? Sim, mas de uma forma diferente.

Felizmente, esta é uma nova prova do talento de George Miller, responsável pela direção de todos os filmes da franquia apocalíptica iniciada no final dos anos 1970.

Cena do filme 'Furiosa: Uma Saga Mad Max'
Anya Taylor-Joy em cena do filme 'Furiosa: Uma Saga Mad Max' - Divulgação

Mas se "Estrada da Fúria" tinha uma textura única ao realçar suas filmagens —efeitos práticos, pilhas de carros, explosões e muitos dublês— com a pós-produção digital, aqui é evidente que muito de seus exageros, motocas e caminhões tunados nasceram pela computação gráfica.

Não é um problema em si. Vide todas as dificuldades dos bastidores de "Estrada da Fúria", é uma boa solução para dar vazão à criatividade do diretor conhecido pelos projetos megalomaníacos, quase irrealizáveis.

Mas também por isso nem sempre a ação tem o peso que sugere, entre lança-chamas, correntes, escopetas e toda sorte de lixo e bugigangas que voa pela tela em vez do humor físico da obra anterior, com traços da comédia de Buster Keaton.

Miller, porém, compensa essas questões técnicas recorrendo à infalível linguagem cinematográfica, e que, bem utilizada, divide o artesanato da molecagem.

Entenda-se, "Estrada da Fúria" é um "tour de force" difícil de repetir, já "Furiosa" —que gosta do olhar irado de Anya Taylor-Joy, no papel-título, tanto quanto da ação— mira uma história de formação vagarosa, que atravessa mais de uma década em cinco atos, com direito a intertítulos.

Num mar de "prequels" incompetentes, o filme também é uma boa lição de como fazer um cinema relevante em séries atreladas ao mercado. É uma jornada de vingança clássica com tintas feministas e boa dose de virilidade, com uma protagonista durona raptada de um matriarcado utópico ainda criança e lançada à miséria por homens babões e deformados física e moralmente.

Pesa que Miller seja a cabeça por trás da obra original, e que o roteiro deste "Furiosa" estivesse pronto antes de "Estrada da Fúria", ainda que o público só tenha conhecido a personagem por Charlize Theron.

Nem Furiosa, nem o novo vilão de Chris Hemsworth, Dementus, são especialmente ricos e, caricatos a seu jeito, mostram as fragilidades de Miller e do roteirista Nick Lathouris na hora de transformar emoções em palavras —algo que se sente nos "voice-overs" e nos diálogos mais longos.

"Mad Max" sempre se beneficiou da falta de sutileza —basta o visual e os nomes patéticos de personagens como Rictus Erectus e Scrotus para entender essa expressividade.

Furiosa, em particular, tira sua força do silêncio, raspando todo seu cabelo, disfarçada como um garoto numa sociedade de brutamontes impiedosos.

Cena do filme 'Furiosa: Uma Saga Mad Max'
Pôster do filme 'Furiosa: Uma Saga Mad Max' - Divulgação

Por outro lado, o que dizer do roteiro da cena em que, em alta velocidade, um caminhão pipa cromado, recheado de armas e soldados, sofre uma emboscada de motoqueiros com paraquedas em formato de polvo e ventiladores gigantes nas costas para flanquear o inimigo?

São pelo menos 20 personagens batalhando sem parar apenas ao som do ronco dos motores. Poucos saem vivos dessa peleja em que uns dirigem e outros se escondem entre pistões enferrujados, tentam consertar o cano de combustível, desarmam dinamites ou alimentam o radiador com xixi antes de rosquear uma tampa no formato de caveira.

São cerca de 15 minutos frenéticos mais difíceis de descrever que de apenas contemplar. É um encanto entender todo esse balé com jeitão de videogame. A sensação se repete em cenas como a fuga no primeiro ato e a invasão a uma fábrica de munição no final.

Com uma câmera precisa, que sabe conduzir o olho do espectador entre os cortes, Miller rege cada cena como se nos apresentasse um mapa e sua estratégia. Ele localiza o espectador no cenário e dá tempo para que cada ação seja capturada e decupada, em vez de abusar de cortes rápidos para mascarar defeitos e dar uma falsa ideia de velocidade.

Falando em ritmo, o filme tem quase meia hora a mais que "Estrada da Fúria" para dar conta do enredo, pavimentado em linha cronológica.

É um tempo bem-vindo sobretudo na primeira metade, antes da entrada de Taylor-Joy em cena. Depois, a figura de Jack —papel de Tom Burke—, um soldado do tirano Immortan Joe, é o ponto mais frágil da história, dividindo o papel de mentor e par amoroso de Furiosa. A relação de ambos não se desenrola e parece mais uma muleta para o conjunto.

O que se sobressai é o efeito mítico dessa opereta com coro de "monster trucks". No curso da vingança, Furiosa crê num futuro, encapsulado na semente que ganhou da mãe e protege com unhas e dentes; já Dementus decai por acreditar nos frutos do ódio. A parada final da saga faz uma ponte com os eventos de "Estrada da Fúria" e reforça o tom de lenda.

Assim como a gasolina alimenta os motores, Miller bebe aquilo que há de mais essencial no cinema para acender uma faísca de graça em Hollywood.

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