Virada Cultural de São Paulo acaba como museu, com vários artistas ultrapassados

Evento da prefeitura espalhou pela cidade cantores hoje irrelevantes, como Latino e a dupla Maria Cecília e Rodolfo

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Julian Marley na Virada Cultural Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo

Assistir à Virada Cultural paulistana mais cara da última década, que terminou neste domingo, foi como entrar num museu com um acervo parado no tempo, sem grandes novidades.

Passaram pelas 12 arenas, montadas em diversos pontos da capital paulista, muitos artistas que viram sua relevância minguar nos últimos anos, como Latino, Michel Teló e a dupla Maria Cecília e Rodolfo. Houve também atrações de apelo popular, caso de Pabllo Vittar, Kevin O Chris e Gloria Groove, mas poucos artistas eram inéditos no evento.

Julian Marley em show na Virada Cultural - Rubens Cavallari/Folhapress

Também foi sentida a ausência de medalhões da MPB. Nos últimos anos, nomes como Caetano Veloso e Elza Soares se juntavam aos jovens em ascensão meteórica. Não havia, ainda, artistas de peso do hip-hop, como Mano Brown ou Emicida.

Além de ter de se contentar com essa escalação, o público também sofreu com uma sucessão de atrasos, boa parte deles provocados por problemas técnicos nos palcos, como no caso de Léo Santana, que entrou uma hora depois do previsto porque as luzes na arena do vale do Anhangabaú não estavam funcionando.

Houve ainda dois shows cancelados —MC Lipi, no sábado, que não explicou o motivo nem foi substituído, e o do rapper Hungria, que desistiu de cantar no domingo para tratar uma pneumonia.

Dessa forma, a Virada Cultural, antes um termômetro dos acontecimentos políticos do país, lançando tendências musicais e comportamentais, correu o risco de perder a sua importância. Ao mesmo tempo, pôde preservar a sua vocação de democratizar a arte.

Ante os grandes festivais de música, que cobram até milhares de reais por ingresso, o evento da prefeitura paulistana ainda é uma chance para que pessoas de baixa renda e de diferentes origens possam ver seus artistas preferidos.

Para viabilizar a Virada, a prefeitura criou uma rede de solidariedade e incentivou a entrega de doações ao povo gaúcho, que enfrenta a maior catástrofe ambiental de sua história. Não deixa de ser uma estratégia para manter a festa de pé e fugir do linchamento, como aconteceu com o show de Madonna, no Rio de Janeiro, criticado por ter sido realizado em meio à tragédia.

A Virada custou quase R$ 60 milhões aos cofres públicos, um aumento de 30% em relação à edição do ano passado, quando foram gastos R$ 46 milhões. Boa parte do montante foi destinado aos artistas. Léo Santana cantou por um cachê de R$ 500 mil, o segundo maior deste ano.

Acima dele está o sertanejo Leonardo, que embolsou R$ 550 mil, 37% a mais do que o cachê mais caro do ano passado, o de Carlinhos Brown, de R$ 400 mil. Leonardo, que está distante do seu auge, recebeu pouco mais da metade do que cobra Gusttavo Lima, o sertanejo mais popular de hoje, por um show particular.

Coordenador da Virada, Bruno Santos diz que o retorno financeiro do evento compensa os gastos. Segundo ele, fora o saldo cultural, o festival deve trazer R$ 120 milhões para a economia da cidade e empregar 2.000 pessoas.

O vale do Anhangabaú, no centro, reuniu as principais atrações e espelhou os dilemas desta edição. No último sábado, Léo Santana teve ele mesmo de pedir desculpas e explicar seu atraso, uma vez que a produção não deu nenhuma satisfação à plateia.

No show, ele repetiu duas vezes a música "Posso Beijar Sua Boca?", uma parceria com Anitta, lançada naquele mesmo dia. O atraso do cantor de axé repercutiu por toda a noite, para a insatisfação das pessoas, que vaiaram a demora.

Depois de Léo Santana, Joelma conseguiu seduzir o público da Virada Cultural com carisma, bateção de cabelo e seu grande sucesso "Voando pro Pará". Já Julian Marley, filho do rei do reggae, Bob Marley, teve de perguntar se a plateia dormia, com o desânimo causado por sua apresentação. Para muitos, ele era um desconhecido.

E, se um pouco mais cedo as pessoas fizeram com as mãos o "L" de Léo Santana, durante a madrugada fizeram o "P", como manda Pabllo Vittar na canção "Ai, Ai, Ai Mega Príncipe", do disco "Batidão Tropical Vol. 2". A drag queen começou seu show por volta das três da madrugada, depois de atrasar cerca de 40 minutos, irritando grande parte do público.

"É muito importante que a prefeitura bote a cara mesmo e faça eventos gratuitos", disse Pabllo, antes de se apresentar. "Ainda mais sabendo como é a vivência dos meus fãs. Muitos deles não têm tempo ou condições financeiras de bancar ingresso de show."

Em um dado momento, a drag queen parou o show, porque uma mulher estava sendo retirada da plateia à força pelos guardas após ser advertida pela organização por estar sem camiseta.

"Galera dos guardas, tem muita gente da comunidade LGBTQIA+ aqui. Se forem tirar alguma mulher trans ou travesti, não deixem ela sair com os seios de fora. Imaginem se fosse sua filha", afirmou a artista ao microfone.

O público também enfrentou problemas noutros pontos da cidade. Na Parada Inglesa, na zona norte, Gloria Groove enfileirou seus hits, mas o show foi atrapalhado pelo som baixo, sobretudo na música "A Tua Voz". O palco Butantã também teve atrasos de até meia hora antes da apresentação de Vanessa da Mata.

No palco montado em Itaquera, na zona leste da cidade, houve correria durante o show do funkeiro MC Lele, sem que a polícia soubesse identificar qual era o motivo.

A maioria dos shows, por outro lado, não registrou ocorrências policiais dignas de nota no que diz respeito à segurança do público. É o caso do sertanejo Michel Teló, que fechou a noite de sábado na Capela do Socorro, na zona sul. Sem emplacar sucessos há anos, ele se apoiou em "Ai se Eu Te Pego", que o tornou famoso há mais de uma década.

Na tarde de domingo, MC Daniel, um dos nomes mais quentes do funk, levou ao palco crianças que choravam por ver o artista em Heliópolis, na zona sul. Perto dali, em Parelheiros, se apresentou Kevin O Chris, que fez do palco um baile funk. Também no domingo, se apresentaram o grupo de samba e pagode Raça Negra e a dupla sertaneja Israel & Rodolffo.

A Virada Cultural foi morna também pela diferença no contexto político do país. Há dois anos, os shows foram dominados pelas manifestações às vésperas das eleições presidenciais e também pela violência, com furtos, roubos e pancadaria no centro. Agora, se por um lado o evento se encaminhou com mais calmaria, também deixou a percepção de um grande déjà-vu no show da maioria dos artistas.

O melhor da Virada Cultural

  • Pabllo Vittar e o show com músicas do seu novo álbum ‘Batidão Tropical Vol. 2’
  • Joelma, que trouxe a sonoridade nortista para a cidade de São Paulo
  • Matuê fez bom show, com fãs vibrando o tempo inteiro
  • Doações, entregues pelo público, mostraram solidariedade com população sofrida do Rio Grande do Sul
  • Segurança, que em geral funcionou, com pequenas ocorrências, ao contrários dos últimos anos

O pior

  • MC Lipi, que não apareceu em seu show e não deu nenhuma explicação
  • Julian Marley fez show arrastado, que não empolgou
  • Atrasos dominaram os shows em diversos palcos da cidade, irritando boa parte do público
  • As opções de comida não eram as melhores ao longo da festa
  • Problemas técnicos, como o som que ficou bem baixo por todo o show de Gloria Groove e a falha na luz antes da apresentação de Léo Santana

Colaboraram Amanda Cavalcanti, Anne Meire, Arthur Guimarães, Bruno Xavier, Felipe Bramucci, Gabriel Justo, Ítalo Leite, Laura Intrieri e Matheus Rocha

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