Descrição de chapéu

Chrystian ajudou a tornar o sertanejo um grande sucesso no Brasil

Na dupla com seu irmão Ralf, cantor morto nesta quarta-feira incorporou estéticas diversas à música do interior

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Gustavo Alonso
Recife

Morto ontem devido a complicações renais e cardíacas, o cantor Chrystian fez história na música brasileira. Sua trajetória, especialmente na dupla com seu irmão, ajudou a formatar a música sertaneja em grande sucesso comercial no Brasil dos anos 80 para cá.

José Pereira da Silva Neto nasceu em Goiânia em 1956. A criança prodígio adotou o nome artístico de Zezinho e desde os 7 anos apresentava o programa "Pinguinho de Gente" em canal regional de Goiás.

Divulgação SBT
Chrystian no programa The Noite com Danilo Gentili - Lourival Ribeiro jun.2024/SBT

Sintonizado com a modernidade do rock dos anos 1960, conheceu Roberto Carlos, então no auge do sucesso, que estimulou o cantor a tentar a carreira em São Paulo dando uma mãozinha. O pai de Zezinho levou a família para a capital e trabalhou como motorista particular do cantor Wanderley Cardoso, também da Jovem Guarda.

No Sudeste, Zezinho conseguiu seus primeiros sucessos ignorando a música do interior. Em 1973, com meros 16 anos, adotou o nome artístico Chrystian e tornou-se nacionalmente conhecido quando gravou "Don't Say Goodbye". A canção entrou na trilha sonora internacional da novela global "Cavalo de Aço", ao lado de Stevie Wonder e Marvin Gaye. A partir daí perfilou uma série de canções em inglês em trilhas de novelas. Em 1976 gravou em Tennessee o disco "Made in USA".

Era uma moda da época e vários cantores brasileiros fizeram caminho semelhante. Foi o caso de Morris Albert, Mark Davis —pseudônimo de Fábio Jr.— , Steve Mclean —Hélio Costa Manso— e Michael Sullivan. Seu irmão Ralf adotou o nome de Don Elliot. Muitos brasileiros sequer sabiam que os cantores de dicção perfeita eram brasileiríssimos, visto que muitos artistas dessa geração eram proibidos pelas gravadoras de dar entrevistas.

Cantores que viviam nas sombras, Chrystian e Ralf também trabalhavam como backing vocals de grandes artistas. A estrada para o sucesso foi longa e roubou-lhe a infância e a adolescência. Anos mais tarde, quando ficou famoso e rico, Chrystian fez um balanço: "Eu dei um autorama para o meu filho, mas sou eu quem adora brincar, porque eu não tive infância".

Quando faziam backing para um disco de Gilliard em 1983, foram convidados pela gravadora RGE para gravar um disco de música sertaneja. Seguindo o sucesso de "Fio de Cabelo" (1982), de Chitãozinho & Xororó, o primeiro hit veio com a guarânia "Piscina" (1984).

Mas o que consolidou mesmo o sucesso da dupla foram baladas "Chora Peito" (1986), "Nova York" (1989), "Bijuteria" e "Yolanda" (1991), "O que Tiver que Vir, Virá" e "Sou Eu" (1992), "Cheiro de Shampoo" (1993), "Prazer por Prazer" (1995), "Sensível Demais" (1998). O talento de Chrystian como compositor aflorou sazonalmente nos hits "Chora Peito" e "Tarde Demais", esta gravada com imenso sucesso por Zezé Di Camargo e Luciano em 2000.

Em 1986 Roberto Carlos convidou Chrystian & Ralf para seu especial de fim de ano, ao lado de Chitãozinho & Xororó. Ao cantar sem os estridentes comuns no gênero, Chrystian e Ralf romperam barreiras. Foram agraciados com o Prêmio Sharp como melhor dupla regional, em 1987. Depois dessa exceção na primeira edição, nunca mais um sertanejo foi agraciado pelo júri pró‑MPB do Prêmio Sharp.

Chrystian e Ralf seguiram rompendo obstáculos. Em 1984 entraram no LP "Som Brasil", trilha sonora do programa musical homônimo apresentado por Lima Duarte na TV Globo, de grande sucesso. Foram os únicos sertanejos a entrar naquele disco, que privilegiava artistas caipiras. Foram também a primeira dupla a lançar um disco com o nome de "Acústico" (1998), imitando por conta própria o formato famoso importado pela MTV brasileira.

Conhecida como a dupla mais afinada da música sertaneja, nunca perderam o apreço pelo som estrangeiro. Eclético, Chrystian dizia: "A gente gostava de Tião Carreiro & Pardinho, mas ouvia Led Zeppelin com o mesmo tesão". O lado metaleiro da dupla ficou perceptível na regravação da canção "Nova York", em 1998. Guitarras estridentes, gritos guturais, bateria em alta rotação, tudo apelava ao metal adorado pelos caipiras modernizados.

Perfeccionistas, Chrystian & Ralf não primavam pela simpatia. Daí surgirem conflitos com artistas que convidavam a dupla para participações especiais e recebiam negativas. A dupla Zé Neto & Christiano ficou chateada com Chrystian e Ralf depois de serem ignorados. Edson, do par com Hudson, criticou a dupla em um live durante a quarentena: "Humildade e carinho com as pessoas é o melhor caminho para um relacionamento. Entendedores entenderão".

Chrystian disse na época que houve um "mal-entendido". Mas reforçou em entrevista ao jornalista André Piunti que quase nunca gravavam com outras duplas: "A gente evita até por uma questão técnica".

Também entre os irmãos havia rusgas. Separaram-se pela primeira vez em 1999, mas voltaram em 2001. A carreira da dupla durou até 2021, quando se separaram de vez: "Tem muita coisa que a dupla não fazia que eu queria fazer. Isso me levou à carreira solo de novo. Passou o ciclo, gente! Sinto muito", disse Chrystian.

Chrystian faleceu aos 67 anos, cheios de planos e projetos. Sua mulher, Key Vieira, com quem era casado há 29 anos, estava comprometida a doar um rim para o cantor quando os problemas cardíacos fossem solucionados e o transplante pudesse ser marcado. Não houve tempo.

A morte do cantor de voz suave e afinação perfeita pegou quase todos de surpresa. Sua trajetória é emblema da geração que transformou a música sertaneja em produto massivo de sucesso nacional a partir de incorporações estéticas as mais diversas.

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