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Filmes

Filha de Shyamalan dirige suspense elegante a partir de trauma

Diretora Ishana segue passos do pai, indiano naturalizado nos EUA, que fez sucesso popular em 1999 com 'O Sexto Sentido'

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Marcelo Miranda

Os Observadores

  • Quando Disponível
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Dakota Fanning, Georgina Campbell e Oliver Finnegan
  • Produção EUA, 2024
  • Direção Ishana Night Shyamalan

Que o trauma se tornou um commoditie ao cinema de horror comercial nos últimos cinco ou dez anos é bastante evidente. Filmes do gênero nos mais variados tipos e estilos buscam nas dores do passado dos personagens os caminhos para alguma legitimação de enredo que os aproxime de uma suposta empatia, de modo a fazer a trama andar na base da identificação imediata com parte do público.

No fetiche nostálgico de um "Halloween" à catarse de "Midsommar", ambos em 2018, ou na atualização de imaginários de "O Homem Invisível" em 2020, ou então nas monstruosidades de "Sorria" e "Fale Comigo" em 2022, em todos há uma espécie de "privatização do trauma", pela qual superar os próprios fantasmas soa mais urgente do que encarar a figura ameaçadora no simples fato de ela ser a disrupção característica das histórias sinistras.

Uma jovem com expressão atenta segura uma vela acesa, iluminando seu rosto em um ambiente escuro.
Cena de 'Os Observadores' - Divulgação

Nesse sentido, "Os Observadores", estreia de Ishana Night Shyamalan na direção de cinema, equilibra tratar os traumas da protagonista, que permanecem ocultos por boa parte da narrativa, e lidar com as ameaças misteriosas que atentam contra o grupo isolado numa casa no meio de uma floresta na Irlanda. Em certa medida, a diretora e roteirista demonstra consciência de que o trauma, hoje, vende muito bem no gênero, mas ela não parece totalmente satisfeita com isso. Sua ambição é maior. Por mais que o filme desemboque numa resolução de afetos pessoais, tensionados a todo instante, é na perspectiva coletiva que Mina, vivida por Dakota Fanning, toma as decisões a movimentar os mecanismos do roteiro.

Isso faz uma grande diferença na apreensão de "Os Observadores" em relação a títulos similares recentes que buscam nos sofrimentos íntimos uma maneira por vezes simplória de provocar aflição. Mina tem seu trauma, mas o efeito no comportamento é o contrário da apatia e comiseração. Ela é constantemente desafiada a obedecer, o que tem por consequência justamente a desobediência da qual a mácula do passado não a paralisa. Os estranhos fenômenos enfrentados por ela são, antes de tudo, manifestações indefinidas colocadas ao acaso no caminho, e não alegorias de seu interior machucado. A ideia de duplicidade que a certa altura se torna importante em "Os Observadores" reforça o sentido de que Mina, ao seu modo, é única e singular.

Ishana é filha de M. Night Shyamalan, cineasta indiano naturalizado nos EUA que foi sucesso popular em 1999 com "O Sexto Sentido". Desde então, sua obra divide opiniões entre quem o veja como um grande mestre contemporâneo e quem o acha uma promessa frustrada. Pouco interessado na celeuma, Shyamalan faz alguns dos melhores filmes de terror e suspense em Hollywood e ainda se dá ao luxo de assinar a produção do primeiro trabalho em tela grande da filha. Ishana é só um pouquinho mais jovem que o rebento mais famoso do cineasta, justamente "O Sexto Sentido", o que significa que sua vida foi pautada pelos efeitos das escolhas imaginativas do pai.

Como diretora, ela conduziu alguns episódios da perturbadora série "Servant", disponível na Apple TV, e foi assistente de Shyamalan em "Tempo", de 2021, e "Batem à Porta", de 2023. Com o aparato técnico e a formação pessoal oferecidos pelo pai, Ishana faz em "Os Observadores" um filme de grande elegância visual, que emula sem pudores o estilo paterno ao mesmo tempo em que tenta encontrar caminhos próprios. Os mistérios são mais etéreos, a atmosfera se assemelha a um constante sonho e o tom de conto de fadas —por vezes literalmente— chega a ser explícito em referências diretas a "Alice no País das Maravilhas".

Muito disso vem do romance de A. M. Shine aqui adaptado, mas é Ishana quem define o tom comedido. Ela acumula os acontecimentos frenéticos da história de Shine numa estrutura dramática e visual desapressada e reflexiva. É como se Ishana retomasse a oralidade fabular de "A Dama na Água", um dos filmes mais maltratados na carreira do pai, sob a perspectiva de referenciais históricos encontrados em Alfred Hitchcock —especialmente "Um Corpo que Cai" e "Os Pássaros"— e em contemporâneos como o Jordan Peele de "Nós". Entre o passado e o presente, a diretora fica num caminho do meio. Se não exibe nada muito inédito, nem exatamente surpreendente, o filme é forte o suficiente para deixar marcas e se destacar no cenário do horror e fantasia.

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