Noam Chomsky teve acidente vascular cerebral massivo em junho passado

Linguista americano de 95 anos se trata em um hospital de São Paulo, e saúde explica silêncio sobre guerra Israel-Hamas

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Mario Sergio Conti
São Paulo

O linguista americano Noam Chomsky não fez nenhum comentário sobre a guerra de Israel em Gaza, iniciada há nove meses. É um silêncio surpreendente. De origem judaica, ele viveu num kibutz no norte de Israel em 1953.

Noam Chomsky, em retrato feito em 2019 em hotel de São Paulo
O linguista Noam Chomsky, em retrato feito há cinco anos em hotel de São Paulo - Danilo Verpa/Danilo Verpa/Folhapress

Anos depois, foi convidado por uma universidade palestina na Cisjordânia para uma conferência.

Interrogado por horas na fronteira, acabou sendo proibido de entrar no país pelas autoridades israelenses.

Além de linguista, Chomsky é um respeitado analista de política internacional. Da sua mais de centena de livros, quatro são especificamente sobre Israel –suas guerras, governos e agressões ao povo palestino.

Apesar das centenas de pedidos da imprensa mundial, não analisou o ataque do Hamas em 7 de outubro e a destruição de Gaza, porque teve um acidente vascular cerebral massivo em junho passado. Está com dificuldades na fala e o lado direito do corpo entorpecido.

Antes do AVC, estava sempre dirigindo seu carro e dando aulas, estudando e escrevendo sobre linguagem, ciência e política. Viajava com frequência do Arizona, onde mora num rancho, para conferências ao redor do mundo, de clareza admirável.

Professor emérito de linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, foi atendido por médicos locais. Eles reduziram ao mínimo sua medicação e a alimentação intravenosa. Disseram que não havia muito o que fazer. Só restava aguardar o desenlace.

Ele está com 95 anos e é casado com a carioca Valeria Chomsky, também linguista. Ela leu o que pôde sobre AVC. Conversou com vários médicos, alguns deles brasileiros. Viu que o marido melhorava — reconhecia pessoas, recuperava a consciência e se comunicava com dificuldade decrescente.

Ela concluiu que, para acelerar sua melhora, era melhor modificar o tratamento. Decidiu trazê-lo para São Paulo, onde o casal tem uma residência desde 2015 —vivem entre lá e cá. Era o que médicos também aconselhavam, por acharem que ele receberia cuidados específicos.

Valéria alugou um jatinho-ambulância e contratou dois enfermeiros. Além de cara, a viagem foi, em suas palavras, "longa, penosa e estressante". O pequeno avião, de pouca autonomia, teve de fazer duas escalas.

Ele foi internado numa unidade de terapia intensiva. É visitado diariamente por neurologista, fonoaudiólogo e pneumologista. Seu estado melhorou bastante. Saiu da UTI e está num quarto. Lê todos os dias o site do New York Times. Ao ver imagens de Gaza no jornal ou na TV, levanta o braço esquerdo num gesto de lamento e revolta. Também lê revistas científicas e acompanha os comentários de colegas a respeito de artigos sobre linguística e cognição que escrevia do AVC.

O ministro Fernando Haddad o visitou. Na campanha presidencial de 2018, quando Lula foi preso e Haddad ocupou seu lugar na chapa do PT, o casal Chomsky foi recebido pelo ministro e sua esposa, Estela, num café da manhã, do qual o crítico literário Roberto Schwarcz participou.

Haddad aproveitou o confinamento na pandemia para estudar e escrever um livro, "O Terceiro Excluído". É um ensaio sobre as relações entre a biologia e a linguagem da espécie humana. Chomsky é um dos autores mais citados do livro.

Com seu progresso na recuperação, a reitoria da Universidade de São Paulo cogita nomeá-lo professor ad hoc. Ele participaria de seminários sobre linguística e ciência política, com ênfase no papel dos Estados Unidos em disputas geopolíticas.

A ideia agrada a Valéria, mas ela imagina outra possibilidade. Pelo que estudou sobre quem passou por um AVC, viver numa cidade de sol e plana é benéfico: facilita sair de casa, passear. Assim, pensa em se estabelecerem no Rio, num apartamento perto da praia.

Antes do AVC, Chomsky chamava atenção para o incremento dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, contra decisões expressas das Nações Unidas e da comunidade internacional, inclusive da Casa Branca. Para ele, não se tratava de uma decisão episódica, do governo de Binyamin Netanyahu, o primeiro ministro de Israel.

A própria Suprema Corte de Israel, lembrava, concede cidadania plena aos assentados de outros países, o que lhes garante todos os direitos. Mas, simultaneamente, restringe aos palestinos a liberdade de ir e vir, a livre expressão e o acesso a uma Justiça independente.

Para Chomsky, essa política torna difícil a solução vislumbrada por muitos dos envolvidos no conflito —a criação de dois países, Palestina e Israel. Seria interessante saber o ele acha viável para obter hoje paz e justiça no Oriente Médio. Será preciso aguardar mais um pouco.

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