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Difusão de legado com jovens marca os dez anos da morte de Ariano Suassuna

Disseminação de obras do escritor e dramaturgo, que morreu em 2014 no Recife de AVC, mira no público de nativos digitais

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Recife

Um ditado popular diz que não se deve falar de política, futebol e religião. Para o escritor Ariano Suassuna, não era bem assim. Católico assumido, torcedor do Sport e progressista ligado à esquerda, o paraibano que também está no coração dos pernambucanos deixou marcas em diversos gêneros da literatura e das artes.

A morte do escritor completa dez anos nesta terça-feira (23). Ele morreu em 23 de julho de 2014, dias após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral).

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Ariano Suassuna durante entrevista à Folha no Sesc Pinheiros, em São Paulo - 24.jul.2012 - - Eduardo Anizelli/Folhapress

O escritor nasceu na Paraíba em 1927 e foi para Pernambuco por decisão da família após seu pai ser assassinado no Rio de Janeiro, quando era deputado federal pela Paraíba, por motivos políticos. João Pessoa foi sucessor do pai de Ariano, João Suassuna, como presidente da Paraíba, cargo equivalente hoje ao de governador. As obras de Ariano se passam na Paraíba majoritariamente.

Com a chegada ao Recife, a família teve maior liberdade, incluindo Ariano, que perdeu o pai aos três anos de idade.

Para João Suassuna, neto do escritor, o avô não morreu, ele se encantou, como dizia Guimarães Rosa, que era amigo de Ariano. O neto mais velho do escritor é responsável por coordenar as ações de preservação e disseminação do seu legado.

"Geralmente, quando um artista morre, a gente vê diminuir a intensidade, Ariano está cada vez mais vivo, atuante, nas diversas personalidades dele", diz.

Ariano é autor de tradicionais clássicos da literatura nacional, como "O Auto da Compadecida", "O Sedutor do Sertão" e o "Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta".

As obras de Ariano eram separadas, mas tinham fios condutores para conectá-las. Isso porque há similaridade entre alguns personagens e resgates de histórias e relações sociais, econômicas e políticas entre elas.

"No 'Auto da Compadecida', por exemplo, temos a exploração do homem pelo homem, corrupção, a Igreja, senhor de terras, padeiro e mulher do padeiro são burgueses que exploram os trabalhadores. É uma obra supratemporal", diz o professor Carlos Newton Júnior, do departamento de Artes da Universidade Federal de Pernambuco.

Carlos Newton conviveu por mais de 30 anos com Ariano Suassuna e é responsável por reeditar suas obras e produzir lançamentos de novos itens, como materiais completos apenas com poesias —este a ser lançado ainda. Em 2017, por exemplo, foi lançado o livro "o Jumento Sedutor", obra que Ariano tinha escrito antes de morrer.

Para isso, o educador fez um vasto trabalho de coleta envolvendo pesquisas em jornais e revistas, além de materiais que Ariano tinha dado a Carlos Newton, que foi seu aluno no curso de Arquitetura na UFPE. Ele lecionava uma disciplina sobre estética.

Além disso, recentemente, foi lançada uma edição comemorativa sobre o romance "A Pedra do Reino", livro que possui mais de mil páginas.

"A obra de Ariano sempre teve um nível de qualidade muito elevado. Ele conseguia lidar com maestria em vários gêneros, era o diferencial dele para outros escritores", diz Newton.

Um dos focos tem sido ampliar a presença das obras de Ariano junto ao público infantojuvenil. Recentemente, a editora Nova Fronteira publicou uma obra apenas com produções de Ariano que se encaixam no perfil voltado a crianças e jovens. Reedições de obras, como a de "O Sedutor do Sertão" em 2020, também fazem parte da estratégia de resgatar as suas produções literárias.

Outro ponto de aproximação com o público é o filme "O Auto da Compadecida 2", que será lançado no dia 25 de dezembro deste ano, como um presente de Natal para o público brasileiro.

"Não é refilmagem, é uma continuação 25 anos depois. O livro foi escrito em 1955 sobre a década de 1930. O filme de Guel Arraes saiu em 1999 e agora o segundo será em 2024, sobre a década de 1950. Ou seja, são 25 anos tanto do livro quanto do filme. Isso foi uma escolha nossa porque os atores envelheceram e o lapso temporal será respeitado", explica João.

O neto de Ariano também deu pistas do que terá no novo filme. "João Grilo e Chicó se separam, por um motivo que não posso dizer. João Grilo é o cara que ressuscitou, se torna um mito, um milagreiro, e a ação começa a partir daí com os dois fazendo uso dessa questão de João Grilo ser um cara que ressuscitou."

No sábado (27), um trecho do filme será revelado em primeira mão durante uma feira cultural realizada no Teatro Pedra do Reino, na capital paraibana.

"Não é baseado num livro, mas Ariano começou essa ideia em vida com Guel, mas é baseada no universo de Suassuna em uma grande homenagem", diz João.

Com "O Auto da Compadecida", o escritor ganhou a medalha de ouro do Festival de Amadores Nacionais em 1957. Daí em diante, passou a ser requisitado para escrever obras de teatro na cena cultural de São Paulo e do Rio de Janeiro. O livro já foi traduzido e publicado em países como Estados Unidos e França.

Ariano também era um nacionalista, uma característica que também fez parte do Movimento Armorial, fundado pelo escritor anos anos 1970 com o objetivo de impulsionar ações culturais com raízes brasileiras.

Atualmente, "O Museu Ariano Suassuna, Sonho e sEperança" é uma exposição imersiva sobre a vida do cantor na capital da Paraíba —escritor não chamava de João Pessoa. Em dezembro, deve acontecer no Recife.

"É com o Ariano desconhecido de pessoas comuns, o filho, o marido, pai, avô e o Ariano cidadão, aí vem Ariano pessoa pública, professor, escritor, palestrante, secretário de Cultura", conta João Suassuna.

A família do escritor planeja fazer um instituto na própria residência onde ele morava, mas não há previsão para que isso aconteça. Sua esposa, Zélia Suassuna, mora na casa, no Poço da Panela, zona norte do Recife.

Ariano exerceu cargos de secretário de Cultura de Pernambuco e de assessor especial do governo estadual, nas gestões de Miguel Arraes e de Eduardo Campos, ambos do PSB. Uma das principais ações foi transformar espaços com manifestações culturais em anfiteatros, além de promover aulas-espetáculo com diversas manifestações artísticas nos municípios.

Os vínculos também foram para o campo familiar. O pai de Eduardo, o também escritor Maximiano Campos, morava próximo à casa de Ariano, enquanto Miguel Arraes se aproximou do escritor após voltar do exílio na Argélia, nos final dos anos 1970.

Durante a ditadura militar, Ariano Suassuna escondeu amigos que eram perseguidos pelo regime na sua casa. No período, ele também participou do Conselho Nacional de Cultura após ter o aval de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife que era contra a ditadura.

Uma das últimas aparições públicas de Ariano foi durante uma aula-espetáculo no Festival de Inverno de Garanhuns, no interior de Pernambuco. Dias depois, passou mal e morreu após a internação.

Quase um ano antes, Ariano se recuperava de um infarto e conversou com o professor Carlos Newton Júnior. Ele disse ao educador que não tinha medo da morte. "Ele disse que só queria uma morte sem grandes traumas", afirmou.

No futebol, Ariano era torcedor do Sport Club Recife —e costumava vestir vermelho e preto. Em homenagem, o time lançou em 2023 a camisa Sport fino, em alusão ao dramaturgo, uma das mais vendidas do clube.

Dez anos após sua partida, Ariano Suassuna está presente nas redes sociais, também para aproximar a memória dele do público das plataformas digitais. O perfil @arianosuassunamestre tem 714 mil seguidores e vídeos que superam 7 milhões de visualizações. Um dos mais conhecidos é um em que Ariano fala sobre viagens de avião. "As viagens de avião se dividem entre as tediosas e as fatais", disse.

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