Fernanda Gomes constrói um mundo em estilhaços. É o paradoxo de arquitetar uma ruína, como se escombros pudessem ser desenhados com o máximo rigor.
Sua mais nova instalação, na galeria paulistana Luisa Strina, enche o espaço com quase nada. As esculturas de madeira e tecido, retalhos quase todos pintados de branco, mais desaparecem do que aparecem na sala etérea, iluminada por holofotes filtrados por uma fina camada de papel. São trabalhos que emolduram, denunciam e escancaram os vazios e frestas da arquitetura.
Os ângulos de suas formas, todos retos, desenham uma falsa sensação de paz. Isso porque, embora nada se mexa, tudo parece estar ali como destroços de um vendaval, sobreviventes de uma violência passada, mas muito recente.
Ver suas esculturas talhadas de acordo com o esquadro, tiras de tecido, ripas de madeira, hastes e varetas cobertos de um branco imperfeito, às vezes encardido, é como testemunhar uma explosão em câmera lenta, mas uma explosão orquestrada, como a demolição planejada de um edifício.
Nesse sentido, Gomes é artífice de uma antiarquitetura, a mestre de obras do impossível, que faz cruzar correntes da história da arte antes separadas como a água do óleo.
O minimalismo aparente de suas peças, herdeiro dos titãs dessa vanguarda, como os americanos Carl Andre, Dan Flavin e Donald Judd, acaba se traindo. Gomes está mais próxima de um Robert Ryman, o artista obcecado por jazz que também pintou todas as suas telas de branco e nada mais, um branco sujo, cheio de falhas, que denuncia o mesmo que as esculturas da brasileira —a sensação máxima de instabilidade, o equilíbrio precário da vida.
Um carioca, como ela, também está na raiz de sua obra. Hélio Oiticica olhou para a arquitetura do improviso das favelas e construiu sua "Tropicália", um labirinto de frágeis chapas de madeira e tecido erguido com a métrica dos minimalistas, a junção de dois universos que não se frequentam.
É como se Gomes, na arquitetura de suas delicadas ruínas, contrastasse o desejo de polidez industrial de um sonhado futuro brasileiro com a nossa realidade mais rasteira. Não seria jazz, mas talvez uma bossa nova em disco riscado tocando num dia de chuva forte.
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