Descrição de chapéu Obituário Ismail Kadaré (1936 - 2024)

Morre Ismail Kadaré, que escreveu contra a ditadura da Albânia, aos 88 anos

Autor mais célebre dos Bálcãs publicou o romance 'Abril Despedaçado' e dissecou o totalitarismo

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Tirana (Albânia) e São Paulo | AFP

O escritor albanês Ismail Kadaré, autor de uma obra monumental sobre a tirania comunista de Enver Hoxha, morreu nesta segunda-feira, aos 88 anos, anunciaram sua editora e um hospital de Tirana, a capital albanesa.

Kadaré não resistiu a um ataque cardíaco, segundo o centro médico. Ele já chegou ao local "sem sinais de vida" e morreu durante a manhã.

O escritor albanês Ismail Kadare - AFP

Etnógrafo e romancista sarcástico que alternava entre o grotesco e o épico, Kadaré explorou os mitos e a história de seu país para dissecar os mecanismos do totalitarismo.

Sua obra foi traduzida para mais de 40 idiomas e era editada no Brasil pela Companhia das Letras, que prepara em setembro um inédito do autor, "Um Ditador na Linha". A obra romanceia uma conversa telefônica entre Josef Stálin e o russo Boris Pasternak, que escreveu "Doutor Jivago".

A Albânia natal de Kadaré viveu durante décadas sob a ditadura de Hoxha, num dos regimes mais fechados do mundo. "O inferno comunista, como qualquer outro inferno, é sufocante", disse o escritor em uma das suas últimas entrevistas, em outubro, à AFP.

"Mas na literatura, isto se transforma em uma força vital, que ajuda você a sobreviver, a vencer a ditadura com cabeça erguida."

No Brasil, ele ficou conhecido principalmente como autor de "Abril Despedaçado", de 1978, que virou um filme premiado em 2001 nas mãos de Walter Salles, adaptando à realidade do Nordeste brasileiro seu enredo sobre famílias com um código de honra secular que provoca assassinatos sem fim.

Kadaré deixou a Albânia em outubro de 1990, depois de romper com o comunismo, e recebeu asilo político na França. Sua dissidência ressoou como um trovão, já que o escritor era considerado uma glória nacional, o único que havia conseguido pôr no mapa a literatura daquele pequeno país tão fechado ao mundo.

"A verdade não está nos atos, e sim em meus livros, que são um verdadeiro testamento literário", disse uma vez o autor mais célebre dos Bálcãs, citado com frequência como candidato ao Nobel de Literatura.

Nascido em 28 de janeiro de 1936 em Gjirokaster, no sul do país, Kadaré estudou em Tirana e depois no Instituto Gorky, em Moscou. Um dos romances que o tornaram famoso foi "O General do Exército Morto", de 1965, um episódio tragicômico sobre a Segunda Guerra Mundial, que conta a história de um general italiano que pretende buscar os restos mortais de seus soldados mortos em conflito.

Suas obras mais celebradas vieram nas décadas seguintes. Ele tratou da ocupação otomana em "Os Tambores da Chuva", de 1970, e da ocupação italiana em "Crônica na Pedra", de 1971. "Concerto no Fim do Inverno", publicado em 1988, é uma obra polifônica, ao mesmo tempo épica, heroica e grotesca, sobre o divórcio entre a China e a Albânia, um tema também abordado em "O Palácio dos Sonhos", de 1981.

Kadaré publicou ainda "A Pirâmide", de 1992, uma parábola sobre um projeto faraônico, e em 1998 lançou "Três Cantos Fúnebres para Kosovo", uma curta elegia em prosa que parece um conto moral.

Sarcástico, "O Jantar Errado", uma obra tardia, é uma fábula que mistura o trágico e a farsa para desnudar os mecanismos absurdos de uma história que define destinos com base nos caprichos de um tirano paranoico.

Fiel à sua ideia do papel do escritor, Kadaré publicou "O Acidente" em 2013, uma reflexão de alcance universal a partir do caso albanês. "Se começássemos a procurar a semelhança entre os povos, a encontraríamos sobretudo do lado dos erros", afirmou o escritor à época.

Kadaré foi eleito em 1996 como membro associado da Academia de Ciências Morais e Políticas da França. Entre vários reconhecimentos, ele recebeu o prêmio Man Booker em 2005, o Príncipe das Astúrias em 2009 e o prêmio Jerusalém em 2015. Deixa a mulher, Helena, e duas filhas.

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