Musical na Serra da Capivara opõe inteligência artificial a narrativas pré-históricas

A onça, animal ameaçado de extinção, é protagonista de produção em patrimônio da humanidade, no sertão piauiense

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São Raimundo Nonato (PI)

Não se fala de outra coisa em São Raimundo Nonato a não ser ópera. À boca pequena, os quase 40 mil habitantes da cidade, que fica nos arredores do Parque Nacional da Serra da Capivara, no sertão do Piauí, têm se encontrado, nas últimas noites, para comentar o espetáculo, na padaria onde se vende e perfumes e cerâmicas, ou no bar, onde se pode tomar cajuína e caldo de quenga.

Ainda que tenha se popularizado com o nome de ópera, o Festival da Serra da Capivara nada tem a ver com a arte lírica. Há seis anos, a população se reúne, no último final de semana de julho, para acompanhar uma peça musical, que contrapõe tecnologia de ponta às narrativas pré-históricas do lugar, que abriga 400 sítios arqueológicos, espalhados por uma área de 130 mil hectares. Para cada ano, a organização apresenta um ato. Em 2024, a peça se chama "Onça Rainha", uma homenagem ao animal ameaçado de extinção e símbolo do parque, coberto pela árida caatinga.

Cenas do espetáculo 'Ato Onça Rainha' - Raiane Lobão/Divulgação

"Quando eu me mudei para Salvador, aqui não tinha ensino médio", afirma Sádia Castro, jornalista e arqueóloga, que idealizou o festival. "Era preciso trazer a arte para cá, porque as pessoas não têm acesso a uma biblioteca ou a uma sala de cinema." A popularização do termo "ópera" entre os habitantes da cidade se deve à união de todas as linguagens artísticas em um único espetáculo.

É uma megaprodução, que envolve 300 profissionais, entre músicos, bailarinos e atores. Com uma notória influência do circo, o resultado final se assemelha à arte do Cirque du Soleil. Não à toa, alguns integrantes do elenco trabalham na trupe canadense. "Onça Rainha" conta a história da amizade improvável entre Sofia, a filha de um caçador interpretada por Uyara Torrente, e Luna, filhote de onça, encarnada por Flaira Ferro. A realização do ato busca conscientizar os habitantes sobre a necessidade de proteger o bioma. O parque, aliás, é uma unidade de conservação ambiental, tendo sido considerado, pela Unesco, um Patrimônio da Humanidade.

Ali, está reunida a maior quantidade de pinturas rupestres do mundo, um reflexo dos homens pré-históricos que habitaram a região há mais de 50 mil homens. O ato é sempre realizado na Pedra Furada, o cartão-postal do parque, que servia de anfiteatro ao homem bem antes da Grécia Antiga. A trilha de "Onça Rainha" foi composta em estilo armorial. "Sofri de insônia para compor tudo isso", diz Eduardo Gomide, que assina a direção musical com Carla Zago.

Diante de tantos vestígios da história humana, o diretor artístico Felipe Guerra usou inteligência artificial para criar os figurinos, que reproduz a textura dos animais. Ele rejeita, na criação da peça, reproduzir o modelo Broadway, tão em voga no sudeste. "Tudo aqui, roteiro e música, foi criado especialmente para esse momento", afirma.

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