Descrição de chapéu Artes Cênicas

Os Satyros atualizam peça de García Lorca e questionam o mundo binário no teatro

Companhia comemora 35 anos em temporada de 'A Casa de Bernarda Alba' no Sesc 14 Bis, com três elencos e versões diferentes para o texto clássico

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São Paulo

Longe da vizinhança, mas nem tanto. A estreia da peça "A Casa de Bernarda Alba", nesta sexta-feira (26), no Sesc 14 Bis, marca uma nova fase da companhia Os Satyros após uma década trabalhando em dramaturgias próprias, construídas e apresentadas coletivamente a partir de histórias do entorno de sua sede, na praça Roosevelt, um trecho movimentado, boêmio e teatral da região central de São Paulo.

Geograficamente, a distância entre a Roosevelt e o Sesc 14 Bis é de apenas 1,5 km, 20 minutos a pé, 11 de carro. Fica logo ali. Na concepção da montagem, a transformação também não chega a ser radical. A trupe escolheu um clássico de Federico García Lorca, porém, irá apresentá-lo ao público com seu jeito transgressor e provocativo.

A imagem mostra uma performance de dança em um ambiente escuro, onde uma dançarina se destaca no centro, vestindo um vestido curto e florido. Ao redor dela, um grupo de pessoas aplaude e demonstra entusiasmo, todas vestindo roupas com estampas florais. A atmosfera é de celebração e alegria, com as mãos levantadas em aplausos e expressões de admiração nos rostos do público.
Cena 'A Casa de Bernarda Alba', montagem da companhia Os Satyros - Cristiano Pepi/Divulgação

A tragédia chega ao palco do Sesc a partir do olhar experimental da companhia e com uma linguagem estética coloquial proposta pela direção. São três elencos que encenam três versões diferentes da peça.

Um dos elencos é feminino, outro é masculino e o terceiro, misto, é escalado ao vivo, com a participação do público a partir de um jogo colaborativo. Cada versão oferece perspectivas diferentes dos temas abordados.

E, segundo Rodolfo García-Vázquez, diretor do espetáculo, a "jam" teatral faz com que as possibilidades se multipliquem. São várias peças em uma só, com centenas de combinações cênicas, de gênero e raça. É um espetáculo múltiplo e questionador.

O caldeirão de tensões da casa de Bernarda Alba fervilha a partir de uma matriarca dominadora, que mantém as cinco filhas sob uma vigilância cruel e as silencia. É uma história de opressão às mulheres na segunda metade da década de 1930, às vésperas da ditadura franquista (1939-1975) na Espanha.

Ao criar uma versão em que o drama é protagonizado por corpos masculinos, os Satyros fazem com que homens vivam situações tradicionalmente associadas à condição feminina, mas que, de forma mais abrangente, simbolizam a violência institucional e social.

"O mundo é estruturado de forma binária e os papéis do homem e da mulher são socialmente construídos. O que queremos é mostrar as contradições desses papéis e como elas nos afetam", afirma García-Vazquez. "A peça busca a provocação de tirar o público do binarismo de gênero".

As questões de gênero e sexualidade fazem parte da trajetória da companhia desde a fundação, em 1989, com montagens de autores como Marquês de Sade ou baseadas na vida e obra de Oscar Wilde e Sappho de Lesbos.

A chegada à praça Roosevelt, no ano 2000, intensificou as pesquisas a partir da convivência diária com a comunidade trans, a prostituição, os preconceitos e a repressão policial.

A obra do poeta e dramaturgo espanhol estava no horizonte há muito tempo. Uma das razões é a origem de um de seus fundadores, García-Vázquez, descendente de imigrantes que fugiram da pobreza após a guerra espanhola.

Além disso, ele e Ivam Cabral, também fundador do grupo, destacam o fato de a dramaturgia, escrita em 1936, ainda ser contemporânea.

"Em Bernarda Alba temos a questão do estupro, do aborto (indiretamente, com a mulher que doa um filho) e também a guerra. E vivemos uma guerra aqui. Uma guerra de classes, que não é muito diferente da espanhola", analisa Cabral, pesquisador da encenação.

A montagem celebra os 35 anos da companhia, que já montou 145 espetáculos encenados em 36 países, ganhou prêmios nacionais e internacionais, é uma dos criadoras da SP Escola de Teatro, produz o Festival Satyrianas e tem importante papel na revitalização da praça Roosevelt, inclusive com a restauração do Cine Bijou.

Nessa fase madura e depois de "Aurora", peça que começou a ser criada durante a pandemia e abordou a vida de moradores de um pequeno prédio na rua de mesmo nome, os Satyros decidiram olhar para os textos clássicos e pesquisar de que forma eles dialogam com o momento do país.

Encenaram, então, "As Bruxas de Salém", evocando a histeria coletiva para falar do Brasil sob Bolsonaro, e agora estreiam o novo espetáculo.

"A Casa de Bernarda Alba" vai suceder, no mesmo espaço, Fernanda Montenegro lendo Simone de Beauvoir, em uma temporada que atraiu público de 10 mil pessoas.

É como uma bênção, mas também há tensão nesse enredo em que a trupe sai do palco alternativo da Roosevelt e chega a um teatro de 513 lugares, logo após o sucesso retumbante da grande atriz de 94 anos.

A imagem mostra um grupo de mulheres vestidas de preto, com algumas usando véus. No centro, uma mulher idosa está sentada em uma cadeira de rodas, enquanto as outras estão em pé ao seu redor, com expressões sérias. O fundo é escuro, destacando as figuras. Algumas mulheres têm maquiagem escura e adornos, como colares. A cena parece ter um tom dramático e teatral.
Ensaio de "A Casa de Bernarda Alba", dos Satyros - Cristiano Pepi/Divulgação

O lançamento do livro "Os Satyros - Teatricidades: Experimentalismo, Arte e Política", das Edições Sesc, faz parte das comemorações do aniversário. A obra, com textos e fotos, registra de forma analítica as produções cênicas, as pedagogias e as ações urbanísticas, sociais e culturais dos artistas.

Além disso, há o "lado B": um processo da Associação da Moral e dos Costumes Escoceses, chocada com a montagem despudorada de "A Filosofia na Alcova" no Festival de Edimburgo de 1993; as ameaças de expulsão feitas por traficantes da região central e a resistência à gentrificação da Roosevelt.

"O grupo trouxe para dentro de sua coxia, plateia e cenário a diversidade do entorno, tematizando identidades marginalizadas e questionando, entre inúmeros postulados, a normatividade dos corpos", escreveu Danilo Santos de Miranda em agosto de 2023, dois meses antes de morrer. Diretor do Sesc SP durante quatro décadas, Miranda assina o texto de abertura do livro, em uma síntese da companhia que é a cara do centro da capital

A Casa de Bernarda Alba

  • Quando De 26/7 a 18/8, quintas a sábados, às 20h e domingos, às 18h. Exceto dias 15/8 e 16/8. Dias 2 e 9/8, sextas, às 15h.
  • Onde Teatro Raul Cortez, no Sesc 14 Bis
  • Preço R$ 60 (inteira); R$ 30 (meia entrada); R$ 18 (credencial plena do Sesc)
  • Autoria Federico García Lorca
  • Elenco Alessandra Rinaldo, Alex de Felix, Andre Lu, Anna Paula Kuller, Augusto Luiz, Diego Ribeiro, Eduardo Chagas, Elisa Barboza, Felipe Estevão, Gabriel Mello, Guilherme Andrade, Heyde Sayama, Isa Tucci, Isabela Cetraro, Julia Bobrow, Juliana Moraes, Karina Bastos, Luís Holiver, Mariana França, Neni Benavente, Raul Ribeiro, Tammy Aires, Vitor Camargo, Vitor Lins, Wil Campos.
  • Direção Rodolfo García Vázquez
  • Link: https://www.sescsp.org.br/programacao/a-casa-de-bernarda-alba-com-os-satyros/
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