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Sem pudores, Aguinaldo Silva expõe sua vida como uma grande novela

Novelista conta em biografia desde a homofobia que sofreu na adolescência até a desforra na saída tumultuada da Globo

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Nilson Xavier

Meu Passado me Perdoa: Memórias de uma Vida Novelesca

  • Quando Lançamento em 10 de julho
  • Preço R$ 89,90 (400 págs.); R$ 69,90 (ebook)
  • Autoria Aguinaldo Silva
  • Editora Todavia

"Uma tentativa não de evitar, mas, pelo menos, adiar o inevitável esquecimento." É assim que Aguinaldo Silva justifica seu novo livro "Meu Passado me Perdoa: Memórias de uma Vida Novelesca", no qual passa a limpo a sua vida e obra.

Aguinaldo Silva aparece com os dois troféus Emmy
O novelista Aguinaldo Silva com dois troféus do Emmy - O novelista Aguinaldo Silva com dois troféus do Emmy/Reprodução

É justamente com a narrativa "novelesca" que o autor prende o leitor, ao repetir na escrita literária as técnicas que fizeram o sucesso de suas novelas: ação, suspense, mistério, drama, romance e comédia em meio a ganchos, viradas e reiteração, com tipos bondosos, vilanescos e cômicos tão incríveis que não parecem reais, mas saídos de sua obra televisiva. Não por acaso, várias das pessoas e situações retratadas no livro inspiraram Aguinaldo em seu universo ficcional.

"Meu Passado me Perdoa" é dividido em três partes de tamanhos iguais, mas pesos diferentes. A primeira é a mais divertida e a mais extraordinária, repleta de passagens tão dramáticas e lances tão surreais quanto suas novelas.

Como o início de toda telenovela que se preza, Aguinaldo abre o livro narrando um fato marcante —para não dizer chocante– a fim de fisgar o leitor já no primeiro capítulo: de como, aos 13 anos, sofreu bullying e violência psicológica ao ser eleito, à revelia, a Rainha da Primavera da escola por seus colegas adolescentes homofóbicos.

O que se segue são lembranças da adolescência gay no Recife, em uma época de forte repressão social e sexual.

Aguinaldo revela seu caráter libertário em meio a companheiros de aventuras, inquietos e livres —as "arlequetes", como se denominavam—, abordando sexualidade e as relações com os gays adultos —as "arlecãs"—; os rivais homofóbicos —a "turma da lambreta"—; e os enrustidos —os "petronilos", senhores "de boa família" dos quais as "arlequetes" arrancavam algum dinheiro, às vezes em troca de favores sexuais.

É nesta primeira parte que Aguinaldo exerce o melhor de sua escrita, de forma leve e espirituosa, sem pudores ou receio de julgamentos. É uma leitura saborosa na qual o autor trata os fatos como se fossem uma grande novela de sua vida, com direito ao mais puro realismo fantástico. Tanto que o leitor se questiona se o que está lendo aconteceu de fato ou se tudo não passa de fruto da imaginação delirante do autor.

Na segunda parte, o autor trata das carreiras de escritor e jornalista, também repletas de lances extraordinários. Por exemplo, de como foi preso pelo regime militar por causa do prefácio que escreveu para o livro "Diário", de Che Guevara, tendo ficado detido por 70 dias no presídio da Ilha Grande. Mas a maioria dessas histórias não são inéditas: Aguinaldo já as relatara em outro livro, "Turno da Noite: Memórias de um Ex-Repórter de Polícia", lançado em 2016.

De novidade, o autor esmiúça os anos de boemia na antiga Lapa, no Rio de Janeiro, bem como seus amores —em especial um grande amor, de apelido Alemão, que transformou sua vida em um verdadeiro inferno. Os detalhes desses relatos também renderiam uma novela.

Outros momentos destacados por Aguinaldo são os bastidores da criação do Lampião da Esquina, jornal gay pioneiro publicado entre 1978 e 1981, e a entrevista concedida a ele pelo lendário Madame Satã, em 1975.

Aguinaldo dedica a última parte de suas memórias à televisão, começando por como a sua experiência como repórter policial levou ao convite para escrever a série "Plantão de Polícia" (1979-1980), fazendo-o abandonar de vez as redações dos jornais. Neste ponto, o autor traz curiosidades sobre suas novelas e minisséries, a maioria de conhecimento geral, já exposta em entrevistas e outros livros.

No entanto, Aguinaldo presenteia o leitor com a sua versão sobre o fracasso da novela "O Sétimo Guardião" (2018-2019), jogando a maior parte da culpa em um diretor da equipe de Rogério Gomes, que não entendeu sua proposta e imprimiu um tom de terror à novela, em vez de realismo fantástico, deixando-a muito pesada: "O diretor resolveu reescrevê-la na sua direção".

Aguinaldo ainda detalha, com doses de drama, humor e suspense, os bastidores de sua demissão da Globo. Primeiro a provocação, ao receber um telefonema às oito da manhã do dia 1º de janeiro de 2020, informando que seu contrato não seria renovado.

Meses depois, a desforra, ao saber que duas novelas de sua autoria seriam reprisadas por causa da pandemia. "Depois de ser mandado à merda, lá estava eu de novo no horário nobre".

Por fim, Aguinaldo faz uma reflexão sobre si e sobre o futuro da telenovela: "Fui apenas uma nota de pé de página na história das telenovelas e o que estou a dizer é que o gênero, hoje ainda tão popular, caducará com o tempo até que, afinal, deixará de ser produzido."

Não sei se concordo com Aguinaldo de que a telenovela "caducará" com o tempo, mas duvido que será esquecida. Ele tampouco, como um dos maiores representantes do gênero que é.

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