Guardas de museus como Met e D'Orsay indicam suas obras de arte favoritas

Estando tão próximos por horas a fio, os funcionários desenvolvem uma relação íntima com os artistas e suas obras

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Noëlle de Leeuw
The New York Times

Cedo pela manhã, prestes a abrir, museus de arte ao redor do mundo aguardam visitantes. Nas galerias, em corredores repletos de retratos, pinturas, esculturas e estátuas, discretos guardas de segurança uniformizados tomam suas posições.

Estando tão próximos por horas a fio, os guardas desenvolvem uma relação íntima com os artistas do museu e suas obras. Em reflexão silenciosa, com tempo para considerar técnicas, habilidades e os sentimentos que evocam, os guardas desenvolvem favoritos entre pinturas e objetos que podem não ser as peças mais conhecidas ou chamativas do museu.

Perguntamos a cinco guardas de cinco dos museus mais renomados do mundo para compartilhar suas peças favoritas e o porquê. Eles as consideram profundamente significativas, e você pode também.

Museu Metropolitan, em Nova York

Emilie Lemakis: ‘Figura Sentada’

A "Figura Sentada", exposta no Museu Metropolitan
A "Figura Sentada", exposta no Museu Metropolitan - THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART/NYT

Trabalho no Met há 29 anos; nunca sequer me candidatei a outro emprego. Então, venho olhando para a escultura africana "Figura Sentada" há muitos, muitos anos. Ele é do século XIII, é muito poderoso e poético, e nas costas tem essas marcas; parece que passou por aflições. Ele meio que fala comigo, dizendo: "O que eu suportei, eu sobrevivi; a dor está atrás de mim, e agora me decora." Ele é tão antigo, e sobreviveu, mesmo estando aqui no museu.

Ser um guarda de segurança significa ter um trabalho do qual você pode gostar, mas que não vai dominar sua vida. Não vai roubar sua alma. Você tira o uniforme, vai embora, e então tem sua vida. Acho que muitas pessoas trabalham aqui porque só querem ganhar a vida e estar cercadas de arte, então atrai muitas pessoas criativas. Eu mesma faço muita arte sobre meu trabalho. Temos essa exposição de arte dos funcionários, e eu criei peças para ela que são sobre o museu. Uma vez, coletei um monte de bilhetes de atraso —quando você se atrasa, recebe esse bilhete amarelo— para fazer um grande avião de papel.

Museu Picasso de Málaga, na Espanha

Auxi Roca: ‘Mulher com Braços Levantados’

"Mulher com Braços Levantados", de Picasso
"Mulher com Braços Levantados", de Picasso - Museu Picasso de Málaga

Sempre digo que você não precisa gostar de Picasso, mas não pode negar que ele foi um artista revolucionário. Isso é algo que realmente amo nele —ele queria quebrar as regras e revolucionou completamente o conceito de arte.

Para "Mulher com Braços Levantados", ele misturou a tinta com areia para criar uma textura especial. Acho que Picasso se sentia muito livre nesse período. Seu estilo aqui é tão pessoal. Também posso ver claramente a influência da arte africana; simplesmente adoro suas cores e emoções excitantes. Sou uma pessoa muito interessada em emoções. Se pudesse voltar no tempo, talvez tivesse estudado outra coisa e me tornado terapeuta. Quando estou no museu, tento conectar meu interesse em emoções e terapia à arte que vejo lá.

Às vezes, as pessoas entram e se preocupam por não saberem nada sobre arte. E eu sempre digo: "Mas você pode sentir! Você não precisa conhecer arte, precisa sentir a arte." E acho que você pode sentir a arte de Picasso com bastante facilidade. Não acho que seja tão difícil encontrar a personalidade de Picasso em suas pinturas. Pensamos em Picasso como um artista, mas eu penso nele como uma pessoa —assim como você e eu.

Museu Victoria & Albert, em Londres

Eleanor George: ‘Centrepiece’

A obra "Certrepiece", exposta no Museu Victoria & Albert
A obra "Centrepiece", exposta no Museu Victoria & Albert - Museu Victoria & Albert/NYT

"Centrepiece", de Alfred Gilbert, foi apresentado à Rainha Vitória como um presente de Jubileu de Ouro [seu aniversário de 50 anos no poder]. É uma peça tão fascinante —não apenas por sua construção, mas por como você pode ler tanto sobre a vida do artista em seu trabalho. Você pode dizer que ele é inglês.

Você pode conhecer um artista através de seu trabalho, e às vezes pode se ver refletido em suas vidas, mesmo que tenham vivido em um tempo completamente diferente. É como alcançar alguém e saber que você é o mesmo, e as pessoas sempre serão as mesmas, seja um pequeno pote de 6.000 anos atrás ou algo que foi feito ontem. Acho que há algo realmente bonito sobre essa conexão atemporal e sem fronteiras que vem com paixão e criatividade.

Busco arte em todos os aspectos da minha vida. Fui para a escola de arte e me formei durante a recessão econômica por volta de 2010. Sabe, era difícil conseguir empregos, tentar encontrar um caminho. Trabalhar no V & A foi um sonho realizado, porque finalmente pude ter um trabalho que complementava a maneira como trabalho, que é aprender o máximo possível, buscar o máximo de inspiração possível e realmente me tornar profundamente íntima com o ofício. Ver todas as obras de centenas de milhares de artistas representados apenas me lembra da razão de ser: que vale a pena ser criativo, não importa como as pressões da vida cotidiana façam você se sentir.

Museu D’Orsay, em Paris

Fan He: ‘Nymphéas Bleus’ de Monet

"Nymphéas Bleus", de Claude Monet
"Nymphéas Bleus", de Claude Monet - Museu d'Orsay/Divulgação

A arte é minha coisa favorita no mundo. Sou da China; vim para Paris em 2009 para estudar arte. Tinha um emprego em design gráfico, mas era estressante. Então, eu saí. Meu amigo, que é artista, sugeriu tentar trabalhar em um museu. Dessa forma, posso me cercar de arte.

Claude Monet é meu artista favorito, e minha pintura favorita aqui é "Nymphéas Bleus" —as ninfeias, sua mais famosa. Monet era obcecado por ninfeias. Ele retratou todo o charme da água e a relação entre a água e as ninfeias. Ele tem seu próprio estilo e técnica de pintura. Eu gosto da natureza, então sou atraído por suas flores e uso de cores. As cores mudam com a mudança de luz em suas pinturas.

Trabalho aqui há quatro anos agora, e estou sempre tão feliz em melhorar a experiência dos visitantes aqui. É meu museu favorito no mundo.

Museu Van Gogh, em Amsterdã

Mohammed Boukhrouf: ‘Os Comedores de Batatas’

O segurança Mohammed Boukhrouf com a obra "Os Comedores de Batatas", de Van Gogh, no museu dedicado ao artista
O segurança Mohammed Boukhrouf com a obra "Os Comedores de Batatas", de Van Gogh, no museu dedicado ao artista em Amsterdã - NOELLE DE LEEUW/NYT

Sempre adorei desenhar, desde que tinha 4 anos. Quando tinha 12 anos, sofri um acidente. Não podia mais brincar fora, jogar futebol ou correr —até caminhar era difícil. Isso durou dois anos. Busquei refúgio na biblioteca. Em livros de história antigos, vi pinturas de Rembrandt e outros artistas daquela época. Quando cheguei ao impressionismo, simplesmente adorei. O uso da tinta, aquelas cores; realmente me atraíram.

"Os Comedores de Batatas" é a pintura que me apresentou a van Gogh. Fez-me mergulhar no impressionismo. Van Gogh tinha um estilo completamente diferente dos outros impressionistas. Assim que a escola terminava, eu ia para a biblioteca para trazer aqueles livros para casa e tentar desenhar as pinturas eu mesmo. Eu estava sozinho; era basicamente meu mundo inteiro. Fantasiava que me tornaria um pintor, mas meu pai não gostava disso.

Quando comecei a trabalhar aqui há um ano e meio, aquele interesse pela arte foi reacendido. Vincent van Gogh é como um amigo de infância para mim. Sua história, a batalha que ele travou, me toca. Agora parece que ele é meu empregador. É assim que vejo, de qualquer forma.

Este artigo apareceu originalmente no The New York Times.

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