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'Tipos de Gentileza' acerta com elenco, mas tem ritmo arrastado

Yorgos Lanthimos renova sua assinatura de tensões e personagens disruptivos, apesar da irregularidade nos enredos

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Fabiane Secches

Tipos de Gentileza

  • Quando Estreia na quinta-feira (22) nos cinemas
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe
  • Produção Irlanda, Reino Unido, EUA, 2024
  • Direção Yorgos Lanthimos

"Tipos de Gentileza", novo filme de Yorgos Lanthimos, um dos cineastas mais originais de sua geração, estreou neste ano no Festival de Cannes e chega agora aos cinemas brasileiros trazendo três histórias autônomas, uma antologia, que a princípio têm pouco em comum.

Entre os denominadores comuns, está o elenco bem escolhido, com Willem Dafoe, Emma Stone, Jesse Plemons, Margaret Qualley e Hong Chau no núcleo central, representando papéis diferentes em cada enredo. E há um personagem, mais figurante do que coadjuvante, presente neles todos, identificado apenas como R.M.F —Yorgos Stefanakos—, que amarra muito bem as narrativas.

Cena do filme 'Tipos de Gentileza', de Yorgos Lanthimos, que integra a competição oficial do Festival de Cannes de 2024
Cena do filme 'Tipos de Gentileza', de Yorgos Lanthimos, que estreia na quinta-feira (22) - Atsushi Nishijima/Divulgação

Todas as histórias falam de formas de controle e sadismo, permeadas de violências e escatologias. O diretor continua sendo um dos poucos contemporâneos a retratar o sexo de forma mais naturalista, sem moralismo —embora exagere em ao menos uma cena mais controversa que pediria um manejo mais cuidadoso.

É possível perceber que Lanthimos e o elenco se divertiram filmando essas histórias repletas de "nonsense", e parte disso contagia os espectadores: há momentos espirituosos, com o humor sombrio próprio do cineasta, e sequências com frescor e bom ritmo —destaque para a montagem e para a trilha sonora—, muito acima da média. Ainda assim, é um filme que se arrasta em outra parte do tempo, o que resulta num conjunto irregular.

A primeira história, por si, é uma obra-prima. Por trás da vida excessivamente ordenada de um homem na casa dos 40 anos tem uma espécie de mentor que determina o que ele deve ler e comer, a que horas deve fazer sexo com a esposa —que, aliás, também foi escolhida pelo mestre.

O enredo faz pensar no quanto estaríamos dispostos a sacrificar nossa autonomia se tivéssemos alguém que nos dissesse exatamente o que fazer, o que vestir, o que comer, com quem nos casar e assim por diante —como muitas pessoas buscam na política, na religião, no Instagram. Figuras que apontem inequivocamente o caminho, coachs da vida, com os perigos que acompanham esse processo.

Mas as outras duas histórias não têm o mesmo brilho e incomodam, negativamente, em alguns aspectos importantes.

Em uma delas, acompanhamos um policial que sofre com o desaparecimento da sua mulher, uma cientista, que nunca voltou de uma expedição. Depois que o homem entra numa espiral psíquica com indícios de paranoia, a esposa reaparece, mas mostra pequenos comportamentos que o fazem duvidar de que ela seja mesmo quem diz ser.

Na outra, uma dupla, participante de uma seita religiosa, tenta encontrar uma jovem predestinada, que teria o poder de ressuscitar os mortos. Há aqui um excesso desnecessário do ponto de vista da narrativa do uso dos corpos femininos, em especial na cena de um estupro, na qual um corpo inconsciente é retratado de forma bela e lânguida, enquanto o abusador o admira após sedá-lo.

Com os ótimos "A Favorita", de 2018, e "Pobres Criaturas", do ano passado, longas mais complexos e exuberantes em termos de cenário, figurino e cinematografia, Lanthimos furou a bolha do cinema independente, e se tornou um nome popular. Em ambos, o cineasta forma uma bela dupla com Emma Stone, que levou um Oscar pela atuação no longa anterior.

Agora, em "Tipos de Gentileza", ele retorna ao absurdo mais prosaico, digamos assim, de filmes muito interessantes que pavimentaram seu caminho, como "Dente Canino" (2009), "O Lagosta" (2015) e mesmo "O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017), quando algo da mitologia grega, com sua opacidade instigante, aparecia atualizada à luz dos nossos dias. Esse retorno seria bem-vindo, mas tem mais ar de promessa não realizada.

Há cenas gratuitas que deveriam ser engraçadas —isoladas, talvez sejam—, mas entram quando já estamos exaustos na poltrona do cinema, como a dança de Emma Stone em uma das cenas finais, que funciona melhor no trailer do que no filme.

O longa tem quase três horas de duração, o que em si não seria um problema, mas "Tipos de Gentileza" faz sentir o tempo escorrer devagar da segunda metade para o final, enquanto há outras cenas genuinamente cativantes, em especial as protagonizadas por Dafoe, que está magnânimo —sempre que entra em cena é como se acendesse uma luz.

Se o filme acerta em algo do começo ao fim é na escolha e na direção de atores: o cineasta consegue explorar facetas diversas de cada um deles como o grande maestro que é. Não deixa de ser um filme corajoso, mas também talvez mais ambicioso do que Lanthimos tenha conseguido nos entregar. Ainda assim, quero assistir tudo que ele vier a fazer.

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