Gretta Sarfaty subverte as representações femininas com clima expressionista

Pinturas de mulheres nuas são como uma análise do seu próprio corpo no espelho e já foram exibidas em Londes e Nova York

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São Paulo

Uma mulher nua está enrolada a uma corda de marinheiro que emula uma serpente. Outra tenta desfazer as grades em que está envolvida. Já a boca de outro, num rosto distorcido, olhos estalados, solta um grito como aquele retratado por Edvard Munch.

Em obras como essas, a artista Gretta Sarfaty, de 77 anos, desmontou as noções clássicas do feminino na arte dos anos 1970 e 1980. Mas não são criações submetidas à militância, nas quais a linguagem é apenas um meio de panfletagem, onde muito se limita à esfera do discurso.

'Boudoir - Reflections of a Woman IV', obra de Gretta Sarfaty
'Boudoir - Reflections of a Woman IV', obra de Gretta Sarfaty - Divulgação

Enquanto fazia a crítica da representação do feminino, a artista explorava e ajudava a estabelecer novas linguagens, como a performance, no caso das mulheres presas a cordas e grades. Assim como inovava por meio do vídeo e da fotografia, numa série de autorretratos distorcidos, que desfazem a imagem perfeita e bem comportada que tanto a incomodaram na juventude.

"Nunca fui ativista", diz Sarfaty, com os cabelos negros presos num coque alto e o rosto maquiado, sentada no salão expositivo da galeria Martins & Monteiro, onde está em cartaz, até sábado, a exposição "Gretta Sarfaty/Almost Reflections of a Woman".

A mostra individual apresenta uma série de pinturas que retratam o corpo feminino nu, trazendo mulheres em situações de introspecção. "Eu era feminista na minha proposta. Eu nunca faço nada calculado. É tudo instantâneo. É aquilo que eu sinto."

As pinturas, entretanto, permitem ver para além da quebra do padrão de beleza. As mulheres nuas criadas pela artista compõem uma nova beleza em tons escuros que revelam seu estado de espírito, frente ao espelho. "Eu as fiz confrontando a si mesmas", afirma, enquanto folheia o livro sobre sua vida e obra, recém-publicado pela editora Act., e tem uma série de lançamentos programados na Suíça, na França e em Portugal.

O clima das obras remete ao expressionismo, escola que mais influenciou a autora na pintura. Ela também conta ter sido influenciada pelo italiano Amadeo Modigliani, conhecido por suas mulheres introspectivas e de pescoços longos, e Lucian Freud, com seus retratos que trazem a carnalidade das figuras retratadas.

É a segunda vez que a série de pinturas figurativas é exibida ao público. A primeira foi em 1997, em Londres, onde a artista foi viver dois anos antes, depois de mais de uma década em Nova York.

De origem grega, Sarfaty se mudou para o Brasil com os pais em 1954 e se naturalizou brasileira. Cresceu se olhando no espelho, numa espécie de "autovoyeurismo" que, depois, levaria para a arte, desconstruindo e construindo a linguagem nos autorretratos dos anos 1970 e nas pinturas.

Toda exploração do corpo, da nudez e o desmonte do que se compreendia como feminino não foram sem consequências. Os pais, conservadores, se incomodavam com suas criações, assim como o marido e os três filhos.

"Tive de mudar de país e tudo. Eles me cortaram tudo para ficar amarrada", diz. "Eu me mudei para Nova York e fiz o que eu quis. Falei ‘Não vou mais ser mãe de domingo’. Fui sozinha, sem filhos. Eles não quiseram ir comigo."

Numa Nova York mais criativa que a Canaã do setor financeiro que acabou se tornando, Sarfaty, sem um tostão, ofereceu seu trabalho para ficar hospedada no Chelsea Hotel, que já havia sido a morada de artistas como o poeta Dylan Thomas.

Naquele mesmo ano de 1983, causou acidentalmente um incêndio em seu quarto, que destruiu toda a sua obra. Mas isso não afetou sua relação com o hotel, que até ofereceu a ela que ficasse de modo permanente no lugar.

Hoje, ela vive em Higienópolis, no centro de São Paulo, e se recupera de um AVC sofrido em dezembro do ano passado. Trabalha diariamente, usando ferramentas como a inteligência artificial. "Ela é sua assistente", afirma ela, que nos anos 2000 se envolveu com criações digitais.

A recuperação vem sendo registrada por Sarfaty, que volta a se valer da arte como na época da morte da mãe, motivo que a trouxe de volta ao Brasil e inspirou obras que falam de resgate, passado e reconciliação —com os seus e com a própria identidade.

Gretta Sarfaty/Almost Reflections of a Woman

Gretta Sarfaty

  • Preço R$ 199 (256 págs.)
  • Editora Act. Editora
  • Organização Mirtes Marins de Oliveira
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