Lucian Freud pinta a carne até os limites da bizarrice com mostra em Madrid

Primeira grande retrospectiva do pintor desde sua morte, há 12 anos, é a sensação da temporada na capital espanhola

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Autorretrato do pintor britânico Lucian Freud, que está na mostra no Museu Nacional Thyssen-Bornemisza, em Madri, na Espanha The Lucian Freud Archive/Divulgação

Madri

A sensação da temporada no quesito artes plásticas, em Madri, é a mostra do pintor britânico Lucian Freud no Museu Nacional Thyssen-Bornemisza. Trata-se da primeira grande retrospectiva, com 55 quadros, desde sua morte, há 12 anos, aos 88, e comemora o centenário de seu nascimento em 1922.

Por ter sido cobiçado pelo mercado dos museus já em um momento avançado de sua carreira, 90% dos quadros expostos vêm de coleções particulares, daí um dos grandes chamarizes da exibição "Lucian Freud: Nuevas Perspectivas".

Uma visita ao Thyssen-Bornemisza no final da tarde de quinta (16) pôde comprovar o enorme interesse na mostra. O local estava cheio. "Mais cedo, na hora almoço fica bem lotado", informou a chefe de Conservação de Pintura Modera do museu, Paloma Alarcó, também responsável pela exposição.

Quadro de Lucian Freud retrata sua primeira mulher, Kitty Godley, com um cachorro - The Lucian Freud Archive/Divulgação

A retrospectiva já havia sido um sucesso em Londres, onde ficou na National Gallery entre outubro do ano passado e janeiro deste ano. Em Madrid, estreou em fevereiro e vai até junho. Freud está com tudo. A modelo Kate Moss, que posou para ele, prepara atualmente um filme sobre a relação dos dois.

Uma breve olhada em qualquer das pinturas de Lucian Freud é suficiente para entender que o artista tinha um interesse especial nos corpos de seus modelos. Ou "La Carne", como se intitula o último módulo da mostra, em que são exibidos uma série de nus, alguns em tamanhos gigantescos.

Para pintar a carne, Freud era tão meticuloso que limpava seu pincel após cada pincelada, para que a tinta não se misturasse e se tornasse uma coisa só. Cada novo borrão trazia um diferente tom de bege, emulando de uma forma muito própria a realidade da pele, às vezes vista sob a luz do sol, às vezes sob a iluminação das lâmpadas de seu estúdio.

Dois homens em quadro do pintor britânico Lucian Freud, que está na mostra do Museu Nacional Thyssen-Bornemisza, em Madri - The Lucian Freud Archive/Divulgação

Sua tradução do corpo humano se aproxima dos limites do bizarro, com carrancas que oscilam entre a brutalidade e a ternura, como no caso das pinturas que fez de suas filhas, mulheres e amantes.

"Nossa exposição procura não entrar em aspectos biográficos do artista", diz Alarcó. "Freud teve inúmeras amantes e foi sempre infiel às mulheres. Daí ele ter sido recentemente rotulado como misógino ou maltratador de mulheres por certos setores da sociedade."

Lucian Freud foi casado com Kitty Godley e com Lady Caroline Blackwood, ambas bastante presentes na mostra, e teve duas filhas com a primeira, igualmente bastante retratadas. Mas ele reconheceu outros 12 filhos que teve com amantes e há quem estime que o número total de rebentos possa chegar a 40.

A mostra também busca fugir do erotismo muitas vezes associado ao trabalho de Freud. "Preferimos evidenciar um olhar mais voltado à ternura", diz ela, que conta que o trabalho do artista está sustentado por três tripés: os retratos, os autorretratos e os nus.

A relação de Freud com seus modelos é bastante importante para entender sua obra. Um quadro qualquer de sua lavra demorava meses, alguns chegaram a 18 meses de trabalho, e o pintor exigia que o modelo estivesse presente durante todo esse tempo, com sessões de cinco horas a cada dia.

Esse aspecto denota um aspecto psicanalítico curioso. Como se sabe, Lucian é neto de Sigmund Freud, o pai da psicanálise e responsável por uma das maiores revoluções intelectuais do século passado. Lucian, no entanto, nunca quis associar o trabalho do avô ao seu, e chegou a dizer que jamais leu uma única linha escrita por Sigmund.

"No entanto, ele dizia que os modelos, ao iniciarem o trabalho, sentam e atuam. Só com a convivência passam a ser eles mesmos", afirma Alarcó. "Essa obsessão de ter um modelo por cinco horas durante meses... Eram como sessões de terapia, no qual o psicanalista vai conhecendo o paciente de forma cada vez mais profunda a cada encontro."

E assim, Freud conseguia captar a realidade das pessoas que retratava. Tinha ainda uma minúcia com os detalhes minúsculos, cada pelo, cada fio de cabelo ou a composição de cada tecido, tudo cuidadosamente representado.

Foi um artista que não se envolveu com os movimentos artísticos que aconteciam ao seu redor. Ignorou o surrealismo, o cubismo, o abstracionismo e se concentrou cada vez mais na carne. Com uma apresentação mais ou menos cronológica, a mostra permite ver essa busca. Ao final da vida, seus quadros se tornaram cada vez maiores, pintando pessoas em uma escala maior do que a real.

Dois quadros inacabados, um autorretrato e um do amigo e também pintor Francis Bacon, são um presente para o público, pois permitem entender parte de seu método. Freud sempre começava pelo rosto do modelo e ia, então, expandindo a pintura até os limites da tela. Já seus fundos são sempre simples, de uma cor única, que jamais chamam a atenção. À frente deles, se sobressai o que importa: o corpo humano e seus inúmeros detalhes.

Mulheres observam quadro do pintor britânico Lucian Freud na mostra do Museu Nacional Thyssen-Bornemisza, em Madri - Divulgação

LUCIAN FREUD - NUEVAS PERSPECTIVAS

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