Peça sobre Nico conta histórias da musa de Andy Warhol que virou cantora

Texto do ator e diretor Dionisio Neto, 'Nico & Eu' leva ao palco a vida de Christa Päffgen

Dionisio Neto

[SOBRE O TEXTO] O trecho nesta página faz parte da peça inédita “Nico & Eu”, ainda sem data de estreia, sobre a modelo, atriz e cantora que foi musa de Andy Warhol, vocalista do The Velvet Underground & Nico, amiga de Jim Morrison e símbolo da contracultura americana.

 

Cena 2
REALIDADE
(Nico está sentada no chão, costurando um vestido velho. Johnny está em pé, olhando através da janela.)

JOHNNY SOULS – A maioria dos suicídios é feita em pleno verão.
CHRISTA – Você tem certezas demais para um homem da sua idade.
JOHNNY SOULS – Depois de um tempo enorme no coração do inverno, a pessoa é obrigada a ser feliz... Ela não aguenta. Se mata. Literalmente.
CHRISTA – Tem uma lógica esquizofrênica.
JOHNNY SOULS – Não acho que aqui seja um lugar ideal para partir.
CHRISTA – Hoje é um dia perfeito para ser feliz e partir. Acordei assim tão inversa. Eu não sou fácil.
JOHNNY SOULS – Você é mais que difícil. É impossível.
CHRISTA – Depende. Eu seleciono meu público.
JOHNNY SOULS – Preto não combina com calor. Sinto muito. Não tenho nada colorido em meu guarda–roupa. Minha pele tem uma proteção natural ao sol. Eu estou sentindo um desejo estranho de usar branco.
CHRISTA – Eu tenho uma Hermès surrada, com buraquinhos de traças espalhados nela. Ficou bonito. O tempo a deixou com uma personalidade punk.
JOHNNY SOULS – Que cor?
CHRISTA – Todas.
JOHNNY SOULS – Chique.
CHRISTA – Branco e preto. É difícil errar.
JOHNNY SOULS – A maioria das pessoas erra muito.
CHRISTA – Você me deixa estranhamente generosa, desculpe, como é mesmo seu nome?
JOHNNY SOULS – Johnny Souls.
CHRISTA – O fotógrafo de defuntos. Tem gente que paga por isso?
JOHNNY SOULS – Mais do que você imagina. Pagam superbem. Ganho por morto. Todo dia morre alguém.
CHRISTA – Você é um pouco bizarro. Tem um carisma psicopata. Desperta uma síndrome de Estolcomo tensa em mim.

ilustração
Ilustração - Alexandre Teles

Dionisio Neto é dramaturgo, ator e diretor, atou no filme “Carandiru” (2003), fez mais de 20 peças e participou de novelas como “A Favorita” (Globo, 2008).

Ilustração de Alexandre Teles, artista plástico, autor de “Caligari!” (editora Veneta).

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.