Política de petróleo tem que mudar para alavancar Brasil, dizem autores

País está em condição privilegiada para proteger economia das tensões geopolíticas no Oriente Médio

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Adilson de Oliveira Marília Basseti Marcato Susan Schommer

[RESUMO] Ataques a instalações petrolíferas na Arábia Saudita alimentaram medo de crise global dramática no setor; embora em situação privilegiada, Brasil carece de novas políticas para tornar o petróleo uma alavanca real de desenvolvimento.

Os ataques com drones a duas instalações petrolíferas na Arábia Saudita, em setembro, alimentaram a preocupação com o risco de desabastecimento global de petróleo em molde similar ao ocorrido na década de 1970.

Análises iniciais sugeriam que o preço do barril de petróleo poderia escalar rapidamente para o patamar de US$ 100, caso a produção saudita não se recuperasse nas semanas seguintes. Esse cenário, em meio aos crescentes sinais de estagnação econômica, provocaria uma recessão global cujos efeitos seriam dramáticos.

Se as tensões no Golfo vinham crescendo desde que os EUA abandonaram o acordo nuclear com o Irã, é certo que as declarações do secretário de Estado Mike Pompeo aumentaram as chances de o episódio levar a uma crise ainda maior. Ele responsabilizou o Irã pelos ataques, que seriam uma ameaça “sem precedentes ao suprimento de energia do mundo”. 

No dia seguinte a agressão, o presidente Donald Trump autorizou o uso de estoques de emergências dos EUA para assegurar a estabilidade do suprimento. Trump também anunciou o envio adicional de tropas para proteger o território saudita.

Apesar de o chefe de Estado americano afirmar que não planeja uma missão militar punitiva ao Irã, cujas consequências seriam desastrosas para a paz mundial, os desdobramentos geopolíticos do atentado na Arábia Saudita ainda são incertos. 

 

Diferentemente da crise da década de 1970, a dependência atual da economia americana de importações de hidrocarbonetos é pouco significativa, fruto do forte incremento da sua produção doméstica de óleo e gás natural. Essa situação relativamente favorável aos americanos tem induzido a uma reação comedida de Trump.

Por outro lado, a situação dos países europeus e asiáticos é bem pouco favorável. Enquanto o diálogo no Oriente Médio não for restabelecido, o abastecimento petrolífero global não será seguro. O risco de novos ataques ao território saudita elimina sua capacidade de operar como “swing producer” que protege a economia global de rupturas abruptas. 

Essa realidade sinaliza uma inflexão definitiva no mercado petrolífero global, que não apenas terá que aprender a conviver com forte volatilidade nos preços como redefinirá a sua geopolítica para garantir suprimentos regionais. 

Após parar o bombeamento de 5,7 milhões de barris por dia, a petroleira estatal Saudi Aramco anunciou a retomada da sua produção aos níveis registrados antes dos ataques.

Hoje o Brasil encontra-se em condição privilegiada para proteger sua economia dos efeitos danosos das tensões geopolíticas na região do Oriente Médio. 

O país migrou para a posição de exportador de volumes crescentes desse combustível, não necessitando mais se submeter à internalização pura e simples da volatilidade do mercado petrolífero provocada pelos movimentos geopolíticos. Por outro lado, nossa crescente oferta de petróleo para o mercado global será disputada por parceiros comerciais. 

Essa situação oferece oportunidade excepcional para utilizar o setor petrolífero como alavanca do desenvolvimento econômico. Para tanto, é indispensável uma profunda revisão da política atual para o setor. 

Focada na obtenção de receitas fiscais para equacionar o problema do déficit nas contas públicas, essa política negligencia o papel da atividade petrolífera em três de seus aspectos fundamentais: a proteção da economia brasileira quanto à volatilidade dos preços, a agregação de valor à cadeia produtiva e a garantia do suprimento doméstico de derivados de petróleo e de produtos petroquímicos essenciais para a sustentação do crescimento econômico.

Preservado o foco atual, nosso setor petrolífero se tornará um mero enclave fornecedor para a economia global, com sua demanda de bens, serviços e também de derivados crescentemente abastecida com importações. Nesse processo, nossos recursos petrolíferos serão paulatinamente esgotados, sem que o país supere os entraves socioprodutivos que estrangulam nosso desenvolvimento. Como está posta, essa política nos conduzirá à maldição do petróleo que atualmente atormenta a vida dos venezuelanos. 

Estimamos que a renda econômica gerada pela atividade petrolífera no país deverá oscilar entre US$ 126 e US$ 179 bilhões no período 2020-2040. Atualmente a maior parte dessa renda (cerca de 70%) está sendo canalizada para fora do país, com importações necessárias para manter a produção no setor. A política petrolífera deve redefinir a repartição dessa renda de forma a atender metas estratégicas de longo prazo.

No início da década passada, o Brasil adotou a Cide-combustível como instrumento para a redução dessa volatilidade nos preços dos combustíveis automotivos. Essa política perdeu eficácia após a crise dos caminhoneiros, em 2018. Na conjuntura atual, reativar a Cide não parece um mecanismo politicamente aceitável. 

A parcela de óleo da União resultante dos contratos de partilha e os bônus de assinatura obtidos nas licitações de blocos exploratórios oferecem boas alternativas para a estruturação de mecanismos de mitigação para a volatilidade excessiva do preço internacional do petróleo. A atenuação da inconstância dos preços, contudo, não é suficiente para proporcionar a agregação de valor a nossas cadeias produtivas.

O desenvolvimento econômico de um país detentor de mercado doméstico expressivo, como é o caso brasileiro, é um processo assentado na geração e distribuição de valor nesse mercado. Os investimentos devem ter uma lógica constitutiva de cadeias produtivas que viabilizem a inserção virtuosa da indústria brasileira do petróleo no mercado global, não apenas como provedor de óleo. A geração de capacitação produtiva e tecnológica não é futilidade.

Estudos setoriais realizados pela ANP, pelo IBP e pelo Instituto de Economia da UFRJ indicam que o parque fornecedor brasileiro é capaz de atender competitivamente entre 50% e 60% da demanda de bens e serviços das operadoras. Todavia, o abandono da política de conteúdo local vem minando a capacidade de nosso parque em agregar valor ao petróleo aqui produzido. 

É fundamental reativar o Pedefor, programa de incentivos criado em 2016 para oferecer incentivos ao desenvolvimento do parque fornecedor local de bens e serviços.

Na contramão da estratégia competitiva das grandes petrolíferas multinacionais, a Petrobras decidiu promover sua desintegração vertical. A direção da empresa anunciou a intenção de vender oito refinarias. Como nosso parque de refino está estruturado para atender aos mercados regionais, eles ficarão estruturados em torno de oligopólios com grande poder de mercado.

Não se deve renegar a história. O país não pode prescindir da atuação presente da Petrobras. Seu centro de pesquisa é a principal fonte de inovações tecnológicas para o offshore petrolífero. Sua vasta experiência na articulação da produção de petróleo com o parque fornecedor doméstico é essencial para o fomento da agregação de valor necessário para o país retomar sua trajetória de desenvolvimento econômico. 

O Brasil tem, hoje, uma oportunidade singular para aliar o desenvolvimento de seu potencial petrolífero a uma estratégia de longo prazo, visando a retomada do seu crescimento econômico. 

Um dos grandes desafios será aperfeiçoar os instrumentos regulatórios atuais, tendo como objetivo a ampliação dos efeitos multiplicadores de renda e emprego associados à cadeia petrolífera.

Para tanto, é fundamental estabelecer diretrizes para uma política petrolífera que ofereça segurança a nossa economia, contra os efeitos danosos dos conflitos geopolíticos globais. A Petrobras é peça fundamental nesse xadrez geopolítico. 


Adilson de Oliveira, doutor em economia pela Universidade de Grenoble (França), é professor do Instituto de Economia da UFRJ.

Marília Basseti Marcato, doutora em economia pela Unicamp, é professora do Instituto de Economia da UFRJ.

Susan Schommer, doutora em economia matemática pelo IMPA, é professora do Instituto de Economia da UFRJ.

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