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STF precisa revogar decretos de armas que agravam riscos à democracia

Armamento é apontado pelo presidente como um caminho de ação política, dizem especialistas

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Ilona Szabó de Carvalho

Empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia) e presidente do Instituto Igarapé. É autora de “A Defesa do Espaço Cívico”

Melina Risso

Diretora de programas do Instituto Igarapé, doutora em administração pública e coautora do livro "Segurança Pública para Virar o Jogo"

Michele dos Ramos

Assessora especial do Instituto Igarapé

[RESUMO] Novo atraso no julgamento dos decretos que flexibilizam o acesso a armas e munição preocupa especialistas, que apontam retrocessos na política de controle de armas em meio a um cenário de tensionamento dos limites democráticos e, por isso, cobram agilidade na análise do tema pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O Supremo Tribunal Federal precisa julgar, com celeridade, as ações que podem colocar fim aos retrocessos na política de controle de armas e munições no país, que agravam os riscos à segurança e à democracia. Na última sexta-feira, foi retomado o julgamento de 14 ações que apontam a inconstitucionalidade e o descumprimento de preceito fundamental de uma série de decretos presidenciais sobre o tema. Infelizmente, após o voto do Ministro Alexandre de Moraes e a concessão de liminar em duas dessas ações nas quais é relator, o julgamento foi novamente suspenso com o pedido de vista do Ministro Kassio Nunes.

A decisão do STF sobre essas ações pode representar um dos momentos mais importantes para a regulação responsável de armas e munições no país desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento (2003), e, certamente, impactará os caminhos que seguiremos como sociedade. Por isso mesmo, precisa ser tomada com urgência.

Em uma democracia, o uso da força deve ser excepcionalíssimo. E cabe ao Estado, detentor do monopólio legítimo do uso da força, primar pelo controle tanto dos agentes que podem empregá-la quanto dos instrumentos utilizados nesta aplicação.

Na contramão desta responsabilidade e das evidências que mostram a centralidade do controle dos arsenais de armas e munições para a redução de diferentes formas de violência e criminalidade, desde janeiro de 2019, o governo federal editou mais de 30 medidas que aumentaram o acesso, sobretudo por determinados grupos que compõem uma base importante de apoio à Presidência, a grandes quantidades de armas e munições. As medidas também permitiram que os cidadãos passassem a poder comprar armas que antes eram restritas às forças de segurança, incluindo pistolas 9mm e fuzis semiautomáticos.

Nenhuma ação de fortalecimento das capacidades estatais de fiscalização foi adotada. Muito pelo contrário, três portarias do Exército que previam melhorias na fiscalização dos chamados produtos controlados - que incluem armas, munições e explosivos -, publicadas em 2020, foram revogadas a pedido da Presidência poucos dias depois de sua publicação. Mais de 15 meses depois, na véspera do início do julgamento do STF, o governo publicou novas portarias de conteúdo similar àquelas do ano passado.

Cabe lembrar que em 2019 tivemos uma movimentação similar: na véspera do início do julgamento pelo STF de ações que contestavam decretos presidenciais publicados naquele ano, o governo revogou os decretos objetos das ações, inviabilizando seu julgamento, e publicou novos decretos de conteúdo praticamente idêntico. As idas e vindas normativas mostram que a responsabilidade do governo federal na condução do tema, de fato, não está na ordem do dia.

De acordo com dados obtidos via LAI pelo Instituto Igarapé, em 2020, a média diária do registro de armas feito por pessoas físicas na Polícia Federal foi de 378. Em 2017, essa média era de 43 armas. Ou seja, vivemos uma combinação literalmente explosiva entre aumento de armas e munições de grande potencial ofensivo em circulação e baixa capacidade de controle estatal para evitar que esses arsenais sejam desviados para a ilegalidade e utilizados pela criminalidade.

Para barrar esses retrocessos, diferentes partidos entraram no STF com ações que apontam a inconstitucionalidade e o descumprimento de preceito fundamental das medidas do Executivo Federal. Além da liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Moraes na última semana, no final de 2020, uma primeira liminar do Ministro Fachin suspendeu o efeito da resolução que zerava o imposto de importação de pistolas e revólveres. Em abril deste ano, a Ministra Rosa Weber concedeu uma segunda liminar suspendendo os efeitos de vários trechos dos decretos presidenciais publicados na véspera do Carnaval. Essas liminares foram avanços importantes, mas ainda há uma série de mudanças graves que continuam em vigor.

É urgente que o STF decida sobre essas ações. Uma população armada não é o caminho para a construção de um país mais seguro e para o fortalecimento da democracia. Em um cenário de contínuo tensionamento dos limites democráticos, no qual o armamento da população é apontado pelo Presidente da República como um caminho de ação política, precisamos reforçar o inegociável compromisso com as garantias constitucionais do direito à vida, à segurança e com o Estado Democrático de Direito.

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