Descrição de chapéu Independência, 200

Helio Santos propõe em livro novo acordo para equidade racial

Professor reúne textos de 34 autores negros e negras tomando como base o bicentenário da independência do Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Belo Horizonte

O professor e consultor em desenvolvimento humano Helio Santos, autor de "A Busca de um Caminho para o Brasil: A Trilha do Círculo Vicioso" (ed. Senac, 2001), prefere usar o termo "sistêmico" a "estrutural" para descrever o racismo no país. À expressão, ele ainda acrescenta a palavra "inercial".

"Sistêmico não apenas porque é recorrente, mas por perpassar toda a sociedade e suas instituições", ele escreve. "Inercial porque, como ensina a primeira lei de Newton, trafega numa direção de maneira uniforme ante a inação para contê-lo. Avassala, segue impune e resoluto".

O professor e ativista Helio Santos em sua casa em Salvador, em 2021 - Rafael Martins - 16.jun.2021/Folhapress

O trecho acima foi retirado do livro "A Resistência Negra ao Projeto de Exclusão Racial - Brasil 200 Anos (1822 - 2022)", organizado por Santos, que é também presidente do conselho da Oxfam Brasil e do Instituto Brasileiro da Diversidade (IBD).

Trata-se de uma coletânea com 33 textos, entre artigos acadêmicos e textos literários, de 34 autores negros e negras. Ao tomar como ponto de partida o marco do bicentenário da independência do Brasil, os textos discutem aspectos sociais, culturais, históricos e econômicos do país por meio de uma perspectiva racializada.

"É uma coletânea que tem lado e nasce num momento bastante interessante da sociedade brasileira, de grandes carências", afirma Santos. "O bicentenário não deve ser celebrado sem que o país faça uma autocrítica em relação à maioria da população."

Ativista da questão racial desde a década de 1970, Santos foi, em 1984, presidente fundador do Conselho da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, iniciativa pioneira dedicada a pensar políticas para a comunidade negra da região. Hoje, ele preside o conselho deliberativo do Fundo Baobá, organização voltada para a promoção da equidade racial.

Santos reuniu no livro intelectuais de diferentes gerações. Sueli Carneiro, Ana Maria Gonçalves, Conceição Evaristo e Kabengele Munanga assinam textos, assim como dois dos colunistas da Folha, a filósofa Djamila Ribeiro e o economista Michael França.

Além dos ensaios, há também poemas escritos pela atriz Elisa Lucinda e pelo escritor Luiz Silva, conhecido como Cuti.

Juntos, os autores condensam reflexões urgentes sobre o enfrentamento do racismo no Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão. "Para cada dez anos de Brasil, sete aconteceram sob o signo da escravidão", afirma Santos.

A questão se agrava quando é analisado o modo como a pessoa negra foi tratada após a lei Áurea, de 1888. Enquanto nenhuma política compensatória foi planejada tendo como foco a população negra (a lei de cotas, por exemplo, que visa mitigar a desigualdade na educação superior brasileira, é de 2012), o Estado brasileiro promoveu apoios, inclusive financeiros, para imigrantes residirem e trabalharem no país.

"Esse apoio era necessário, pois eram colonos que vinham ocupar um país gigante", diz o professor, lembrando que essas pessoas eram, em sua maioria, empobrecidas e de ocupação rural. "O absurdo é que essas iniciativas não tenham sido também destinadas aos negros, que já estavam no Brasil. O nosso apartheid se desencadeia a partir daí."

Para Santos, o período que vai de 1911, ano de assinatura do decreto de incentivo à imigração, a 2022 "ampliou a defasagem socioeconômica entre os grupos étnico-raciais que constituem o país".

No último capítulo do livro, o professor se vale de sua experiência na gestão pública e das reflexões suscitadas pelos demais autores da obra para propor um Novo Acordo para a Equidade Racial, que ele denomina de Naper.

"O racismo sistêmico inercial requer política pública, que é o meu foco", ele diz, propondo um "New Deal customizado, adequado para um país de maioria negra". O organizador faz referência à experiência norte-americana de intervenção econômica para consolidar, na década de 1930, um Estado de Bem-Estar Social no país.

"Nós temos que criar o estado do bem-estar sociorracial", afirma Santos. "Isso leva o país para um patamar civilizatório avançado. Eu insisto nessa ideia: longe de ser um problema, a questão racial é parte da solução."

Para levar o novo acordo a cabo, o professor lista dez sugestões de ações afirmativas sistêmicas para a promoção da equidade mencionada. Há ideias para diminuir as desigualdades na educação, programas de apoio para garantir autonomia às famílias negras, e propostas para reduzir a violência e manter a juventude negra viva.

Prevê políticas afirmativas financeiras, de modo semelhante ao que, no século 20, foi feito com os imigrantes, e um programa de apoio à economia informal.

Santos também sugere a ampliação das cotas raciais, que deveriam valer até 2042. "A razão é simples: ações tão tardias somente causarão impacto numa sociedade apartada racialmente, como a nossa, se perdurarem por um tempo adequado, para que possam consolidar uma mudança efetiva."

Como o professor aponta, é estratégico o lançamento da coletânea em meio aos debates do segundo turno da eleição brasileira. "O fortalecimento geral da população negra também vai levar a uma maior participação política", acredita.

A Resistência Negra ao Projeto de Exclusão Racial - Brasil 200 Anos (1822 > 2022)

  • Preço R$ 90
  • Autoria Helio Santos (organização)
  • Editora Jandaíra (selo Sueli Carneiro) , 440 págs.
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.